O presidente imposto pelo $TF sancionou,
em 11 de janeiro, uma lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo.
Com isso, falas que contenham elementos referentes a raça, cor, etnia ou
procedência nacional entendidas como ofensivas por pessoas ou grupos
considerados minoritários passam a ser imprescritíveis e inafiançáveis assim
como já ocorria no crime de racismo.
Com a nova lei, que referenda
decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal ($TF) no mesmo sentido, a pena para
injúrias raciais também aumenta: a punição máxima, que era de três anos de
prisão, passa a ser de cinco anos.
Com a sanção da norma, outros
dispositivos foram acrescentados à chamada Lei do Racismo (Lei 7.716/89) que,
segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, representam riscos à liberdade de
expressão. O principal deles é enquadrar como crime de racismo a contação de
piadas sobre quaisquer grupos que possam ser considerados minoritários.
Por outro lado, há também um
trecho que pode criminalizar falas de lideranças religiosas dentro de seus
templos que possam ser interpretadas como contrárias a práticas de religiões
afro.
O pior é que a pena máxima
para piadas com grupos minoritários é maior do que para furto e sequestro. Um
dos trechos da norma sancionada por Lalau determina que os crimes previstos na
Lei do Racismo passam a ter as penas aumentadas de um terço até a metade
“quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou
recreação”.
A lei também determina que, se
a prática do suposto racismo ocorrer no contexto de atividades artísticas ou
culturais destinadas ao público, o autor também será proibido de frequentar
esses locais por três anos.
Um dos riscos para o possível
enquadramento como racismo de declarações meramente jocosas, que fazem parte da
atividade humorística em palcos de stand-up, por exemplo, é que a lei traz uma
grande amplitude para as condutas que podem ser consideradas criminosas ao
mesmo tempo em que não especifica a quais grupos as piadas estão proibidas.
O artigo 20-C da norma diz que
ao interpretar a lei, “o juiz deve considerar como discriminatório qualquer
atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause
constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que
usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião
ou procedência”.
Na avaliação de Antônio Pedro
Machado, mestre em Direito Constitucional, a legislação não se restringiu à
equiparação da injúria racial ao racismo, e a retirada de piadas do repertório
de humoristas será uma das consequências dessa ampliação da lei.
“Piadas envolvendo pessoas
pertencentes a uma etnia, muito comuns em um contexto de show de stand-up
comedy, por exemplo, podem passar a ser consideradas um crime mais grave”,
explica Machado.
Machado, por outro lado, destaca
que a vagueza da expressão “grupos minoritários” deve ser motivo de debates
junto aos tribunais e possivelmente ficará a cargo de jurisprudência do $TF.
Vale destacar que as novas
regras que criminalizam piadas com determinados grupos trazem penas maiores do
que para crimes como furto, receptação de bens roubados e sequestro. Além
disso, o fator da imprescritibilidade (isto é, os crimes não prescrevem com o
tempo) aplicado a essas condutas não é empregado nem mesmo para homicídio e
estupro no país.
Em outro trecho, a norma
expressa que se a prática do suposto racismo ocorrer no contexto de atividades
religiosas destinadas ao público, o autor será proibido de frequentar locais
destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais por três anos, além da
pena de prisão, que pode chegar a cinco anos.
Na avaliação das fontes
ouvidas pela reportagem, a medida pode criminalizar declarações de líderes
religiosos cristãos que falem, em seus sermões, contra práticas oriundas de
religiões afro. “No limite, pode haver esse tipo de interpretação e vir a
proibir um pastor, por exemplo, que diga qualquer coisa nesse sentido”, explica
Machado.
“Se um padre ou pastor fizer
algum comentário [que envolva práticas de religiões afro] numa homilia,
palestra ou pregação corre o risco de ser enquadrado nessa legislação. Isso vai
colocar principalmente os evangélicos em uma situação complicada. Vai haver uma
limitação cada vez maior à liberdade de manifestação de opinião”, complementa o
jurista que falou sob anonimato.
O texto que originou a lei é
de autoria da deputada federal Tia Eron (Republicanos-BA) e foi aprovado na
Câmara dos Deputados em novembro de 2021. A proposta da deputada era tipificar
o crime de injúria racial como racismo quando cometido em locais públicos.
Em maio de 2022, quatro dias
após a forte repercussão pública do caso do jogador Edenilson, na época atleta
do Internacional, que alegou ter sido vítima de injúria racial em jogo contra o
Corinthians, o Senado também aprovou o projeto de lei. Lá, entretanto, o
senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto, propôs ampliar o alcance da
medida e equiparar a injúria racial ao racismo em outros casos. Por causa dessa
alteração, o texto teve que passar novamente pela Câmara, sendo aprovado em
dezembro de 2022.
A redação final aprovada pelo
Congresso Nacional teve contribuição vinda de um anteprojeto redigido pela
Comissão de Juristas de Combate ao Racismo, instituída pela Câmara dos
Deputados. O atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania no governo
Lula, Silvio Almeida, e a secretária-executiva, Rita Oliveira, fizeram parte
dessa comissão.
*Gazeta do Povo
Quinta-feira, 19 de janeiro
2023 às 14:06