A
aplicação da lei da Ficha Limpa tem demonstrado que os candidatos impugnados
mantêm-se na disputa através de familiares, na maioria das vezes as esposas,
para exercer o cargo para o qual foram vetados de forma indireta.
É
um truque que não encontra antídoto na legislação e que, na prática, burla o
espírito do que pretendeu o legislador ao aprovar a restrição a quem já
registra uma condenação por colegiado, ou seja, em segunda instância.
O
recurso tem sido farto em exemplos, alguns de maior repercussão pela
notoriedade dos candidatos, casos de Joaquim Roriz no Distrito Federal, em
2010, quando impôs à esposa, Weslian Roriz, um dos capítulos mais ridículos e
constrangedores em campanhas políticas.
Até
hoje circulam na Internet os vídeos da ex-quase futura primeira dama, alçada à
condição de candidata, nos debates locais, nos quais não falava coisa com
coisa, não entendia o que lhe era perguntado, pedia para que fossem repetidas
as perguntas e quase sempre respondia sobre outro tema – não para tangenciar a
questão, mas por não saber mesmo do que estava tratando.
Weslian
Roriz teve 32% dos votos, o que merece uma pausa para reflexão. Sua força
eleitoral provinha do marido, que governou Brasília por quatro vezes – a
primeira, por nomeação do então presidente José Sarney, as demais em eleição
direta.
Roriz
deu origem aos problemas de lotamentos ilegais na Capital, distribuindo terras
e promovendo uma migração sem antecedentes na política barsileira, para a
formação de currais na periferia de Brasília que lhes são fiéis até hoje.
Nos
governos do PT que se seguiram, no rastro da banalização da ocupação
periférica, os condomínios irregulares no Plano Piloto formaram uma extensão
dos loteamentos à classe média, institucionalizando a politização da gestão
territorial, até hoje uma dor de cabeça para o Estado e para os beneficiários.
Roriz
tentou sem êxito garantir sua candidatura nas instâncias judiciais superiores,
a exemplo de seu discípulo, José Roberto Arruda, que renunciou à candidatura
em favor de Jofran Frejat, ex-secretário de Saúde de seu governo anterior,
interrompido pela cassação que deu causa à atual impugnação.
Flavia Arruda |
Mas
Arruda garantiu o lugar de vice na chapa à sua mulher, Flávia, cuja biografia
política se resume ao de companheira solidária no calvário que se seguiu à
deposição do marido. O mais incrível é que, mesmo diante da ostensiva manobra,
anunciou que seu gesto deve ser interpretado como o fim de sua carreira
pública.
Dois
outros candidatos foram pelo mesmo caminho. Neudo Campos (PP), ex-governador de
Roraima, renunciou em favor de sua mulher, sem esconder que pretende governar
através dela. Foi explícito: “Serei sua sombra no governo”, disse com a
desfaçatez dos cínicos. Campos foi condenado em dois processos distintos, em
duas instâncias.
José
Riva (PSD), candidato em Mato Grosso, tentou até o limite manter a candidatura,
mas vencido no Tribunal Superior Eleitoral, colocou a mulher, Janete, em seu
lugar e fará a campanha com ela. Riva é um recordista: condenado por improbidade
administrativa quatro vezes , em segunda instância, chegou a ser preso durante
a Operação Ararath por suposto envolvimento em um esquema de lavagem de
dinheiro por meio de factorings.
Passou
três dias no Complexo da Papuda, em Brasília, e depois foi solto.
Aparentemente,
a garantia constitucional dos direitos individuais desautoriza ideias de
extensão do veto a parentes, para impedir que, na prática, o condenado governe.
Afinal condenações não são extensivas a familiares que não tenham participado
daquilo que lhes deu causa.
Mas
é preciso encontrar uma fórmula que, preservando o direito constitucional,
evite a burla da legislação. Talvez um veto parcial, que impeça a substituição
do titular da chapa, impedido judicialmente de concorrer, por parente até o
terceiro grau naquele pleito para o qual a Ficha Limpa gerou seus efeitos.
Em
um país em que a política se caracteriza pelas oligarquias familiares, o
método de substituição do candidato
punido representa, na prática, a revogação da Ficha Limpa.
Os
governos eleitos por esse método instalam no país a política de marionetes –
como no criativo teatro de cordéis em que os personagens são bonecos manipulados
por trás das cortinas. (Estadão)
Sábado,
20 de setembro, 2014.
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