As
áreas de saúde e educação foram alvo de quase 70% dos esquemas de corrupção e
fraude desvendados em operações policiais e de fiscalização do uso de verba
federal pelos municípios nos últimos 13 anos. Os desvios descobertos pelo
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU),
em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, evidenciam
como recursos destinados a essas duas áreas são especialmente visados por
gestores municipais corruptos.
Desde
2003, foram deflagradas 247 operações envolvendo desvios de verbas federais
repassadas aos municípios. Os investigadores identificaram organizações que
tiravam recursos públicos de quem mais precisava para alimentar esquemas
criminosos milionários e luxos particulares. Além de saúde educação, também há
desvios em áreas como transporte, turismo e infraestrutura.
Um
exemplo foi a Operação Mascotch, de 2011, que desarticulou uma quadrilha que
desviou mais de R$ 8 milhões de dinheiro da educação em 14 cidades do interior de
Alagoas – o Estado com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil,
similar ao da Namíbia. Os recursos deveriam alimentar crianças nas escolas, mas
eram na verdade usados para comprar uísque 12 anos e vinhos importados.
O
levantamento com base em dados do governo federal desde 2003 mostra que houve
fraude no uso de verbas federais em pelo menos 729 municípios – o que
corresponde a 13% do total de cidades do País. Do Oiapoque ao Chuí, o prejuízo
causado pela corrupção no período foi estimado em ao menos R$ 4 bilhões pela
CGU.
Restaurantes.
Alagoas pode estar no último lugar do ranking do IDH, mas lidera a lista dos
Estados com mais municípios onde houve irregularidades detectadas pelas
investigações federais, em termos proporcionais. Esquemas de corrupção foram
desvendados em 70 das 102 cidades alagoanas – ou seja, em mais de dois terços
das localidades do Estado.
O
segundo pior IDH do Brasil também não fica muito atrás. O Maranhão foi palco,
em outubro deste ano, da Operação Voadores, que revelou que parte da verba da
saúde enviada pela União pagou vinhos e restaurantes de luxo na capital São
Luis. O esquema sacava cheques de contas bancárias de hospitais públicos e
desviava para benesses particulares.
Enquanto
isso, quem depende da saúde pública enfrenta atendimento precário. No Hospital
Genésio Rêgo, um dos que tiveram recursos desviados, a paciente Míria Lima
contou que a disputa pelos médicos é tanta que só consegue marcar consulta com
o mastologista se for lá pessoalmente à 1 hora da manhã – depois disso, todos
os horário já estão reservados. “Preciso fazer mamografia e ultrassom da mama,
mas só dá para marcar os exames mais de um mês depois das consultas”, reclama.
Qualidade.
O levantamento mostra que, no geral, o principal programa afetado na área da
saúde foi saneamento básico. No setor de ensino, quem mais perdeu, segundo a
CGU, foi o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – formado por recursos
provenientes dos impostos e transferências dos Estados e municípios e que
deveria ajudar a melhorar a qualidade da educação básica nos municípios.
Desvios
como esses, segundo a literatura acadêmica recente, podem ser responsáveis por
uma queda significativa na qualidade do ensino em um determinado município. Um
artigo publicado em 2012 pelos pesquisadores Claudio Ferraz, da PUC-Rio,
Frederico Finan, da Universidade da Califórnia, e Diana Moreira, de Harvard,
revelou que alunos de municípios onde a CGU descobriu fraudes no uso de
dinheiro da educação tinham aprendizado pior e taxas maiores de repetição de
ano e de evasão escolar.
“Escolas
em municípios onde foi detectado corrupção têm menos infraestrutura e
professores que receberam menos treinamento. Além disso, professores e
diretores listaram a falta de recursos como o principal problema em municípios
corruptos”, escrevem. Segundo eles, como a qualidade da educação afeta o
desenvolvimento econômico no longo prazo, o estudo sugere um canal direto pelo
qual a corrupção diminui o crescimento do país.
O
resultado ainda é mais relevante quando se leva em conta que a qualidade da
educação pública no Brasil tem se mantido estagnada em áreas importantes,
especialmente no Ensino Médio. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) para essa etapa do ensino se manteve constante entre 2011 e 2015 em 3,7,
abaixo da meta do governo de 4,3. Segundo especialistas, um dos grandes
problemas é a má qualidade da formação dos alunos no ensino fundamental, de
responsabilidade dos municípios.
Problema
geracional. Os desvios em alguns municípios brasileiros é recorrente. Patos,
cidade 100 mil habitantes na Paraíba, comandada pela família do presidente da
CPI da Petrobrás de 2015, Hugo Motta (PMDB), caiu em três operações em um ano.
As ações investigaram fraudes em licitações da prefeitura e desvios da saúde e
da educação.
Lá,
a questão é também familiar. Em uma das operações, a mãe do deputado, Ilana
Motta, acabou presa, e a avó do parlamentar, Francisca Motta, foi afastada do
cargo de prefeita da cidade. Ilana era chefe de gabinete da própria mãe na
prefeitura do município. Segundo as investigações, as fraudes envolveram mais
de R$ 11 milhões em recursos que deveriam ter ido para o transporte escolar,
Fundeb e para o pagamento de serviços de saúde de média e alta complexidade.
(AE)
Domingo,
25 de dezembro de 2016
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