Dia
desses li em um jornal africano um interessante relatório sobre a fome neste
planeta. Decidi, a partir dele, buscar mais alguns dados que, isoladamente,
pouco diriam - mas cuja mensagem, no conjunto, chega a ser chocante.
Vamos
começar considerando que neste planeta 870 milhões de semelhantes nossos passam
fome. Isto significa que uma a cada oito pessoas vão dormir com fome todos os
dias - algumas delas ali na frente da gente, do outro lado da rua.
Em
seguida, meditemos sobre o fato de que a fome ocupa o primeiro lugar na lista
de riscos para a saúde - sozinha, ela mata mais gente que a AIDS, a malária e a
tuberculose combinadas.
A
estatística seguinte é especialmente dolorosa: um terço de todas as mortes de
crianças abaixo de cinco anos nos países em desenvolvimento está relacionado à
desnutrição. Mas pensemos nas que sobrevivem: os primeiros mil dias da vida de
um ser humano são a fase crítica no que toca à nutrição. Uma dieta adequada ao
longo deste período é fundamental para evitar uma série de males mentais e
físicos na vida adulta.
Um
problema sério, não? Mas vamos às soluções - e elas são muitas e simples. Para
começar, se as mulheres que vivem nas áreas rurais tivessem o mesmo acesso que
os homens a terra, tecnologia, serviços financeiros e educação o número de
famintos seria reduzido em quase 150 milhões!
Para
completar, custa apenas US$ 0,25 por dia alimentar uma criança com todas as
vitaminas e nutrientes necessários a um crescimento saudável e regular -
cálculos da WFP. Isto dá cerca de R$ 0,50. Cinquenta centavos! Calculou-se que
com apenas US$ 50, uns R$ 100, dá para alimentar uma criança durante todo um
ano escolar. É destes números tão simples que muitas verdades começam a
aparecer.
Dizem
que a corrupção, e só ela, custa ao Brasil R$ 83 bilhões a cada ano - dados da
FIESP. Fiz algumas contas e concluí que com este dinheiro daria para nutrir
adequadamente 454.794.520 crianças ao longo de todo um ano. Sim, só com o que
se desvia no Brasil alimentaríamos quase a metade dos famintos do planeta todo.
Mudemos
de escala: segundo cálculos do Banco Mundial, a corrupção custa ao mundo não
menos que US$ 1 trilhão. Voltei à calculadora e concluí que com esta dinheirama
resolveríamos o problema da fome de 10.958.904.109 pessoas - dá umas 12 vezes o
total atual de famintos do mundo inteiro.
A
conta é assustadoramente simples: se a roubalheira - e só ela - acabasse
poderíamos eliminar os famintos deste planeta inteiro e ainda sobraria para
atendermos outros onze, acabando com a fome das crianças de Mercúrio, Vênus,
Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão e de mais dois de algum outro
sistema solar. Seríamos os benfeitores da galáxia!
Há
ainda o desperdício. Só com os alimentos desperdiçados nos EUA e Europa seria
possível alimentar a humanidade inteira três vezes! Aqui mesmo no Brasil,
segundo cálculos realizados pela ONU/FAO, 64% de tudo que é plantado se perdem
na produção, distribuição e consumo.
Vejam
que só falamos, aqui, do óbvio ululante - aliás, sobre este, é conhecida uma
piada segundo a qual alguém procurava um objeto debaixo de um poste de
iluminação, apesar de tê-lo perdido longe dali, em um canto escuro, por ser
mais cômodo enxergar onde há luz.
Há
alguns dias li uma propaganda segundo a qual com o preço de um batom dá para
nutrir um refugiado lá do Quênia durante três semanas. Então é isso: a culpa da
fome é dos consumidores de batom.
*****Pedro
Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de JustIça do Espírito Santo.
Domingo,
04 de fevereiro, 2016
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