Governos existem
para controlar as circunstâncias, não para ser controlados por elas; governos
existem para irem adiante, e não atrás dos acontecimentos; governos existem
para cercar as margens de erro, antecipando-se aos problemas, não para elaborar
desculpas implausíveis; governos existem para informar-se sobre o futuro e as
consequências dos seus atos - não com bola de cristal, mas com os dados
objetivos fornecidos pela realidade -, não para confundir a embromação com o
otimismo.
Aqui e ali,
multiplicam-se as críticas sobre a perversidade do farto financiamento do BNDES
a alguns setores da indústria, algumas fundadas, outras nem tanto - e não vou
entrar no mérito neste texto, a merecer outro artigo. Ou, ainda, há quem
atribua isso ao "fechamento da economia", embora ela não pare de se
abrir. A questão essencial, porém, é outra. O governo brasileiro assiste inerme
a um processo de desindustrialização - a grande marca do governo Lula - que
cobra um preço social altíssimo no médio e no longo prazos, já que é o setor
que paga os melhores salários e que força com mais velocidade a especialização
da mão de obra.
A escolha dos
governos do PT foi torrar o dinheiro proveniente tanto dos altos preços das
nossas exportações de produtos agrominerais como da abundância de capital
externo barato. Como mencionou o professor Edmar Bacha, entre 2004 e 2011,
tivemos uma farra econômica no Brasil: nada mais nada menos do que 25% do
aumento do gasto doméstico foi financiado por esses dólares. Tudo para consumir
e substituir produção doméstica. Pouco ou nada para fortalecer a
competitividade da economia, elevando os investimentos públicos e privados e a
oferta de bons empregos. Tudo para elevar a carga tributária que sufoca a
produção e castiga proporcionalmente mais os setores sociais de menores rendas,
via tributação indireta. Pouco ou nada para dar sustentação permanente à
elevação do padrão de vida.
Pior ainda. O
governo fez o possível para atrapalhar a Petrobrás, atrasar os investimentos em
novos campos, travar as concessões de estradas, dentro de sua ideologia mais
profunda: transformar facilidades em dificuldades. Isso nos privou de um
precioso vetor de crescimento da economia, pelo lado da demanda e da
produtividade.
A despeito das
fanfarronices sobre a suposta agilidade do Brasil nos negócios externos, a
verdade é que, das grandes economias, o Brasil é o único que não celebrou
pactos comerciais bilaterais. Foram centenas no mundo nos últimos dez anos. O
Brasil firmou só três: com Israel, Palestina e Egito... Ao contrário: continua
amarrado ao Mercosul - o maior erro cometido pelo Itamaraty na sua história
moderna, reiterado por cinco governos diferentes. E vejam bem: o estorvo
essencial do Mercosul não vem dos Kirchners. É fruto da estultice da ideia de
fazer dele uma união alfandegária, que suprimiu a soberania comercial no
Brasil. Se, por exemplo, fizéssemos um acordo comercial com a Índia, seria
preciso que todos os outros parceiros fizessem parte também... O País não se
pode dar o luxo de acumular sucessivos, crescentes e escandalosos déficits na
indústria sem considerar que está, obviamente, com problema.
Chega a parecer
piada, mas é verdade: não faz tempo se falava por aqui numa verdadeira
"guerra cambial" em razão da enxurrada de dólares que os EUA
injetaram na sua economia. Foi uma gritaria danada. Agora que começa o
movimento contrário e os dólares estão vindo menos, em vez de chegarem mais,
ouve-se o mesmo alarido. Nos dois casos, há uma tendência de culpar os países
ricos, mas a fragilização da nossa economia, tornando-a mais suscetível aos
ataques especulativos no âmbito do sistema financeiro internacional, foi
precisamente obra do governo Lula-Dilma.
Poderíamos
ter-nos protegido dessa volatilidade? Se o ambiente fosse, por exemplo, mais
favorável aos investimentos, em vez de o Brasil estar agora lamentando a
retomada da economia americana e a melhora na zona do euro, estaria
comemorando. E por dois motivos: porque investimentos realmente produtivos não
fogem do País da noite para o dia e porque, tivesse uma indústria mais
competitiva, estaria se preparando para disputar mercado. Ocorre que essas
coisas não se fazem assim, no improviso, da noite para o dia. No fim das
contas, é a incapacidade de planejar, ditada por uma leitura capenga do que vai
pelo mundo, que nos leva a esse modelo que vai da mão para a boca.
Apertem os
cintos. O governo sumiu!
José Serra* - O
Estado de S.Paulo
*José Serra é
ex-governador e ex-prefeito de São Paulo.
Quinta-feira, 13 de fevereiro, 2014.
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