O
recado da sociedade é inequívoco: em busca do novo, tentando enterrar a
política do compadrio, da corrupção e da mentira disseminada pelo lulopetismo,
o País está prestes a eleger como presidente Jair Bolsonaro, antagonista que o
próprio Lula gerou
Foi
durante um pesadelo que a escritora inglesa Mary Shelley buscou a inspiração
para, aos 19 anos, escrever a obra prima da literatura de horror. No livro, o
médico Viktor Frankenstein ousa brincar de Deus recriando a vida a partir de
uma criatura que constroi a partir de partes de corpos humanos. Logo, porém, o
médico percebe que o ser que julgava ter criado era na verdade uma criatura
que, logo no primeiro momento após a vida, se voltaria contra seu criador. Há
um parentesco óbvio entre a obra de Mary Shelley e o desenlace da disputa
presidencial. Em boa parte, foi o PT quem engrossou o caldo de cultura
responsável pela provável eleição de Jair Bolsonaro, candidato do PSL. O
ex-presidente Lula, que já se comparou a Jesus Cristo, fez de tudo para
transformar o pleito numa eleição polarizada. Acabou gerando sua própria
antítese, que se revelou nas urnas um líder de massas, como ele. Inicialmente,
Lula imaginava que o eleitorado brasileiro iria ungí-lo novamente. Sabendo que
não poderia ser candidato, com base na Lei da Ficha Limpa, sancionada por ele
mesmo quando presidente, considerou que conseguiria transferir sua popularidade
para um preposto, como fez com Dilma Rousseff em 2010. Posaria de vítima, reafirmando
que sua prisão era política. Ao final, apostava que essa narrativa seria
consagrada nas urnas. Era a eleição plebiscitária com que sonhava. Ao contrário
da Justiça, que o condenava, as urnas, acreditava, o absolveria. De roldão,
viriam juntos absolvidos todos os demais petistas condenados e denunciados.
À
medida em que avançava nesse projeto, o PT e Lula radicalizavam o discurso e a
postura de vítimas. Afrontavam a Justiça e outras instituições na conformação
da sua narrativa. Iam, assim, juntando as peças do seu Frankenstein político.
Quando o Frankenstein acordou, revelou-se algo bem mais virulento do que
previam. Como reação à radicalização do discurso petista, surgiu em
contraposição Jair Bolsonaro, do PSL, um candidato radical, de discurso por
vezes perigoso, mas que parece encarnar aos olhos do eleitor justamente a
contraface do que, para ele, o PT representa. “Bolsonaro é uma armadilha que o
PT inicialmente não previa”, considera o analista político Leopoldo Vieira, da
empresa de consultoria IdealPolitik.
O
que torna complicada a situação para o PT é que boa parte do eleitorado de
Bolsonaro declara saber dos riscos que ele representa. Mas fez a escolha por
rejeição ao PT. O efeito teflon migrou de Lula para Bolsonaro. Para o analista
político, um dado importante desse fato incontestável é que alguns dos defeitos
que o PT aponta em Bolsonaro, o próprio eleitor de Bolsonaro enxerga no PT. Se
o aspirante do PSL ao Planalto, agora, é acusado de ter criado uma ampla rede
na internet para propagar fake news, antes era o PT quem montava uma estrutura
de disseminação de notícias e perfis falsos. Se Bolsonaro às vezes demonstra
ter pendores antidemocráticos, expostos por diversas declarações suas e de seus
filhos, Eduardo e Flávio, o PT foi além: financiou governos que em nada
respeitavam os princípios básicos da democracia, como Cuba e Venezuela. Se o
candidato do PSL provoca sobressaltos, capazes de pôr em vigília instituições
como o Supremo Tribunal Federal, o PT assustava ao ameaçar levar a cabo
atitudes revanchistas caso vencesse as eleições – consubstanciadas na frase do
ex-ministro José Dirceu, para quem o partido não iria vencer a disputa, mas
“tomar o poder”.
Embriagado
pela ideia de reescrever a história e redimir Lula, o PT, portanto, não
enxergou os sinais de que a história de radicalização que vinha construindo
tinha grande chance de refluir para o nascimento de um contraponto igualmente
radical. Atônitos para o que antes do domingo 28 parece já ser uma derrota
inevitável, hoje integrantes do partido e de seus aliados, como PDT e PSB,
admitem que deveriam ter prestado mais atenção ao que começou a transparecer no
país a partir dos protestos de 2013, durante a Copa das Confederações. “A gente
pareceu esquecer que tudo começou como reação a aumentos de passagens de
ônibus, trem e metrô na gestão do próprio Haddad na Prefeitura de São Paulo”,
observa agora um parlamentar do PT.
Em
algum momento da trilha para o fracasso nas urnas, Lula tentou promover uma
espécie de evangelização de seus aliados e correligionários. Foi quando
comparou-se a Cristo. “Jesus Cristo foi condenado à morte sem dizer uma
palavra, recém-nascido. E, se o José não corre, ele tinha sido morto. E olhe
que não tinha empreiteira naquele tempo, não tinha Lava Jato”, disse. Às
vésperas de ser preso, o petista autoproclamou-se uma “ideia”. “Eu não sou mais
um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês”, proclamou.
“Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Vocês são milhões de
Lulas”. No seu entender, ele havia ascendido à dimensão divina. Agora ele
encontra no extremo oposto e “com a mão na faixa presidencial”, o antagonista
gestado por ele próprio – embora nem Bolsonaro seja capaz de encarnar o “mito”,
alardeado pelo seu séquito, nem Lula possa arvorar-se de ente divino, como
querem crer os fanáticos petistas.
Dentro
do próprio PT, integrantes da sigla admitem que o antipetismo chegou a um nível
tão grande que dificilmente ele será dissipado nas próximas eleições. A grande
questão é que esse antipetismo foi fomentado, justamente, por ações do próprio
partido. A autocrítica cobrada por muitos, Fernando Haddad só começou a fazer,
de forma tímida, na reta final da campanha eleitoral. Para um integrante da
Executiva Nacional do PT, um grande equívoco agora seria o partido desistir de
aprofundar essa revisão dos seus erros. Ainda que, no que parece hoje
improvável, o PT venha a virar as eleições, a autocrítica precisará ser feita.
E, no caso mais provável de derrota, será essencial para que o partido não
acabe minguando nos próximos anos. Hoje, parte do PT ressente-se de não ter
feito o que o ex-ministro Tarso Genro propôs quando presidia o partido logo
após o escândalo do mensalão, uma revisão profunda, que chamava de
“refundação”. “Éramos para ter cortado na própria carne enquanto havia tempo”,
diz o petista.
Ao
contrário, o PT não apenas renegou seus erros como passou a atacar todos
aqueles que os explicitavam. A começar pela imprensa, passando pelo juiz Sérgio
Moro, condutor da Operação Lava Jato, por todos os juízes em todas as
instâncias, até chegar ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF), e alguns de
seus integrantes, como o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Para
tanto, valeu-se de uma ampla rede de blogueiros e influenciadores digitais. No
esforço para estabelecer uma narrativa distorcida da realidade, o PT acabou
criando em contraposição outra realidade igualmente distorcida. Assim, a
racionalidade foi ficando de lado e as paixões afloraram.
Outro
sinal que hoje os petistas admitem ter ignorado foi a reeleição de Dilma
Rousseff em 2014. Estava clara ali uma profunda divisão do país, a partir da
constatação de que Dilma vencia o pleito com somente pouco mais da metade dos
votos. Deveria ter sido feito, avaliam petistas hoje, um aceno de conciliação.
Não foi feito. Nem cogitado. Dilma passou a campanha incutindo nas pessoas o
temor de que perderiam suas conquistas sociais caso não fosse reeleita. E de
que ela era a única alternativa para evitar a recessão e a crise. Mais uma
mentira deslavada propagada pelo PT. Tão logo tomou posse, Dilma passou a fazer
exatamente o que dizia que seus adversários fariam. Ali apareceu uma figura
que, dizem, hoje Bolsonaro explora: a do petista arrependido. “Quando tentamos
rever posições, ele cola na gente a ideia do petista arrependido”,diz um
integrante do partido. Ou seja: estabelece uma falta de firmeza e de convicção,
em vez de um reconhecimento de erro.
No
processo de impeachment de Dilma, já parecia claro, pela falta de reação mais
forte das ruas, que a narrativa do golpe não ganhava eco na sociedade. Foi
outro sinal ignorado. Com efeito contrário, a manutenção de tal discurso
reforçou o antipetismo. Na prisão de Lula, a intensidade só aumentou.
Finalmente, o erro fatal: a manutenção da candidatura de Lula pelo máximo de
tempo possível quando já se sabia da sua impossibilidade legal. A visão colhida
até mesmo de petistas é que, ao insistir em uma candidatura que todos sabiam
insustentável, Haddad ficou sem tempo de construir a sua própria identidade.
Quando entrou, não era como um candidato próprio à eleição. Era como um reserva
de Lula. “Lula é Haddad”, dizia o slogan da campanha. “Com o arrefecimento do
antipetismo, Haddad herdou mais a rejeição de Lula do que os seus votos”,
observa o analista Leopoldo Vieira. Como disse Ciro Gomes, do PDT, era dançar
“uma valsa à beira do abismo”. Às vésperas do segundo turno, o PT exibe o que
chama de “face perigosa” de Bolsonaro. A essa altura, o eleitor parece
decidido. Prefere correr o risco com Bolsonaro, do que endossar a volta do PT
ao poder, cujas práticas ele conhece bem e quer ver extirpadas do País.
Numa
reação orquestrada, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram duros.
Entenderam que precisavam se impor como instituição e deixar claro os limites
democráticos de um presidente, por maior que seja sua popularidade. O vídeo que
começou a circular no fim de semana, em que o deputado Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), filho do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, fala que
bastam “um cabo e um soldado” para fechar o STF chocou os ministros. “Eu já
adverti o garoto”, desculpou-se Bolsonaro.
Em
julho, durante uma palestra para estudantes, Eduardo Bolsonaro foi perguntado
sobre o que aconteceria se o STF impugnasse a candidatura de seu pai. “Aí vai
ter que pagar pra ver. Pessoal até brinca lá, cara, se quiser fechar o STF sabe
o que você faz? Você não manda nem um jipe, manda um soldado e um cabo”, disse
Eduardo. Diversos ministros reagiram. Para o ministro Celso de Mello, a fala
foi “inconsequente e golpista”. Para o presidente do STF, Dias Toffoli, “atacar
o Judiciário é atacar a democracia”.
As
reações mostram uma ação combinada de defesa da ordem institucional. Mas não
foi a primeira vez que o STF foi atacado. Como reação à prisão de Lula,
petistas também falaram em “fechar” o Supremo. Defendiam diminuir a importância
da Suprema Corte. “Temos que redesenhar o papel do Poder Judiciário. Temos que
fechar o STF. Fazê-lo virar corte constitucional”, disse o deputado Wadih
Damous (PT-RJ). Em entrevista a um portal do Piauí, o ex-ministro José Dirceu
foi na mesma linha. “É preciso tirar poderes do STF para ser só corte
constitucional”, disse. “Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só
existem dois, que são eleitos: o Legislativo e o Executivo”. Afrontar as
instituições, bem como ameaçar a imprensa, é moda perigosa e precisa ser
duramente combatida.
De
escândalo em escândalo, o chamado “quadrilhão do PT” – termo usado pelo STF
para investigar os petistas que comandaram o maior esquema de corrupção já
desvendado no Brasil – acabou sendo responsável pelo empoderamento dos grupos
que orbitavam em torno de Bolsonaro, como a bancada evangélica (que clamava
contra a crise nos costumes), a bancada de bala (inconformada com a onda de
violência) e a bancada ruralista (insatisfeita com o crescente desprestígio do
agronegócio). Foi o rio caudaloso onde desaguou o capitão reformado (IstoÉ)
Sábado,
27 de outubro, 2018 ás 00:05
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