O time
com mais prestígio e dinheiro é o Brasília Corrupção Clube. O “bicho” para eles
é a propina
Você achou
que era o futebol? Não é. Nosso esporte mais popular é a corrupção. O time de
maior prestígio e mais bem remunerado é o BCC, Brasília Corrupção Clube. Seus
estádios são verdadeiros palácios, com subsedes imponentes. Uma pena que, mesmo
com ingresso de graça, as arquibancadas estejam quase sempre vazias, a não ser
que os jogadores entrem em campo em benefí$io próprio ou tenham algum
companheiro ameaçado por cartões vermelhos. Aí, as torcidas lotam o recinto e
reúnem jovens furiosos a gaviões fiéis. Confraternizam, xingam e chegam a
entrar no tapa.
Há os
atacantes que disputam, aos trancos e barrancos, até o fim do Segundo Tempo. E
os zagueiros que já deveriam ter pendurado as chuteiras no século passado, mas
insistem na prorrogação. O “bicho”, nesse torneio, é a propina. Tem muito
empurra-empurra. Já foram expulsos cinco neste ano da Seleção, e o sexto estava
na marca do pênalti aguardando o apito da juíza.
O maior medo
dos jogadores é sofrer um “drible da vaca”. É um daqueles dribles humilhantes
em que o jogador, de frente para o oponente, toca ou chuta a bola para um lado
e corre para o lado oposto, buscando a bola novamente. Em política, é comum.
Você faz de conta que dá todo o apoio ao coitado, mas o faz de bobo. E, quando
o outro percebe, já foi até substituído. Nesse Brasileirão de impedimentos,
quem rouba não é o juiz. (Até é também, mas o campeonato é outro, superior – os
atletas jogam de toga e o uniforme faz a diferença, que o diga a juíza dos
árbitros Eliana Calmon, que denunciou bandidos em campo.)
Poderíamos
recorrer apenas ao humor, e não à indignação, mas o assunto é muito sério. Só
no Brasil uma arte milenar chinesa como o kung fu acaba usada pelo Ministério
do Esporte para desviar milhões de reais de dinheiro público. Dinheiro meu e
seu destinado a material esportivo para crianças e jovens. O que se rouba em
nome dos carentes e destituídos é vergonhoso. Não sei quase nada de kung fu, a
não ser que há golpes mortais. Mas, no Brasil, o golpe é de grana mesmo.
O enlameado
desta vez foi o ministro Orlando Silva, titular da pasta mais estratégica para
um país que sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada. Foi surpresa? Silva comprou
em 2008 por R$ 8,30 uma tapioca recheada de queijo coalho e manteiga da terra
com um cartão corporativo. Foi “por engano” e ele devolveu o dinheiro. Ficou
feio. Mais um ministro que Dilma Rousseff herdou de seu mentor Lula, o
presidente mais complacente, boa-praça e popular da história, corintiano roxo e
amante das metáforas futebolísticas. Lula chegou a telefonar ao ministro,
expressando sua solidariedade.
Quem acusou
Silva é um desclassificado. Soldado da Polícia Militar, João Dias é
ex-militante do PCdoB, o mesmo partido do ministro, e dono de ONGs de kung fu
com sede em Brasília. Tem mansão incompatível com seu salário e três carros
importados na garagem: um Camaro, um Volvo e um BMW. Só começou a enriquecer
quando se aliou a um grupo do PCdoB, então liderado pelo governador Agnelo
Queiroz. Fez convênios com o Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva
por cinco anos. João Dias foi intimado pelo Ministério Público a devolver R$ 4
milhões aos cofres públicos. É rico, temido e suspeito.
Silva tentou
se defender dizendo que queriam tirá-lo “no grito”, sem provas materiais. Seria
a palavra de um contra o outro. Mas por que ele assinou convênios com João
Dias? Teria sido iludido pelo soldado kung fu? Nenhum ministro cai por um único
depoimento. A folha corrida de Silva nos últimos anos afetou a rodada da
semana. A União cobra a devolução de R$ 49 milhões desviados em convênios
irregulares do Ministério do Esporte. É pouco? Esse dinheiro não vai
reaparecer. Quanto o PCdoB ganhou não se sabe, mas um pouco deve ter sido gasto
na campanha que o partido maoista deslanchou na TV, dizendo que nada mancharia
uma legenda criada “para estar ao lado do povo”. Ah, esse povo merecia mais.
E Dilma com
isso? Para ela, foi oportuno estar na África. Driblou o ministro ao chegar na
quinta-feira à noite. Em seu morde-assopra costumeiro, a presidente condenou
qualquer tipo de “apedrejamento moral”. Tudo como manda o figurino. Mas já
tinha deixado claro que não faria nenhum esforço para Silva ficar. Dilma
criticou a demonização do PCdoB. E não poderia agir diferente.
O PCdoB comanda
a pasta do Esporte há nove anos, desde o início do mandato de Lula. É um
partido que nasceu em 1962 de um racha comunista, com fama de “pequeno mas
ideológico”. Sua ideologia aparentemente mudou. Sua marca ainda são a foice e o
martelo cruzados, simbolizando a aliança de operários e os camponeses. Ah, os
operários e os camponeses mereciam mais.
Texto: RUTH DE AQUINO, publicado
originalmente na Revista Epoca.
Sexta –
feira 28/10/2011 ás 18h:05
Postado pelo
Editor
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