O
vice-presidente da República, Michel Temer, enviou uma carta segunda-feira (7)
à presidente Dilma Rousseff na qual relata uma série de episódios que
demonstrariam, nas palavras dele, a "absoluta desconfiança" que
sempre existiu em relação a ele e ao PMDB por parte da petista. O texto agrava
a crise política no momento em que a presidente sofre um processo de
impeachment. Para o Palácio do Planalto, o gesto é mais um passo do vice em
direção ao rompimento com o governo.
Em
onze pontos, o vice escancara o desgaste da relação entre os dois desde 2011. O
peemedebista alega que passou os quatro primeiros anos do governo como
"vice decorativo" e que perdeu todo o seu protagonismo político do
passado para afiançar o projeto de Dilma, sendo chamado apenas para resolver
votações do PMDB e debelar crises políticas. "Sempre tive ciência da
absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao
PMDB", disse.
Em
conversas reservadas, Temer tem dito que se sentiu traído por Dilma. Afirma que
o pedido de impeachment tem, sim, lastro jurídico, embora o chefe da Casa
Civil, Jaques Wagner, tenha comentado, em entrevista, que o vice dizia outra
coisa. "Não é de hoje que tentam me constranger", afirmou. "A carta
que escrevi foi em caráter reservado, não era para ser divulgada."
No
texto, de três páginas, Temer afirma que sempre se colocou à disposição de
Dilma e trabalhou para que o PMDB apoiasse a sua reeleição, apesar das fortes
resistências no partido. Ele lembrou que a legenda só se manteve na chapa
porque ele liderou o movimento pró-Dilma na convenção. Mesmo assim, pontuou,
recebeu em troca "menosprezo".
"Tenho
mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que
tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo
não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo",
escreveu Temer.
O
vice também reclamou que o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ),
tenha indicado dois ministros do governo, sendo que um apadrinhado seu foi
retirado do primeiro escalão.
"A
senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um
acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido. Os dois
ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor
preocupação em eliminar do governo o deputado Edinho Araújo, deputado de São
Paulo e a mim ligado", diz Temer.
'Convicção'
O
vice afirma ainda que nunca será digno da confiança de Dilma, mesmo após a
crise. "Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não
terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção", conclui.
Após
vir a público parte do conteúdo da carta, a assessoria de imprensa do vice
confirmou a existência do texto, via redes sociais. Em uma sequência de nove
mensagens, a assessoria comentou a questão da confiança entre ambos, mas negou
que Temer tenha proposto rompimento com o governo. "Ele rememorou fatos
ocorridos nestes últimos cinco anos, mas somente sob a ótica do debate da confiança
que deve permear a relação entre agentes públicos responsáveis pelo País",
afirmou a assessoria do vice.
Ontem
de manhã, Dilma tentou minimizar um eventual desembarque do PMDB do governo e o
distanciamento entre ela e seu vice, voltando a repetir que sempre confiou em
Temer. "Não só confio como sempre confiei", afirmou a petista. Após a
revelação da existência da carta, Temer se disse "surpreso" e
"irritado".
Adams
encontra vice
O
advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, foi acionado para apaziguar os
ânimos entre Dilma e Temer, após a carta que foi vazada à imprensa. Adams
chegou à residência oficial da vice-presidência pouco antes da meia noite, onde
Temer já se reunia com outros nomes que têm sido vinculados a conspirações ou
abertamente favoráveis impeachment da presidenta.
Adams
telefonou para Temer pouco após o vazamento da carta. O vice-presidente, que já
se reunia com outros peemedebistas no Palácio do Jaburu, em Brasília, aceitou
receber também o advogado-geral. A tarefa de Adams era tentar acalmar os ânimos
e retomar o diálogo entre o vice e a presidente.
Estavam
reunidos com Temer os ex-ministros da Aviação Civil Eliseu Padilha e Moreira
Franco. Padilha, que sucedeu Franco, havia oficializado sua demissão da pasta
também nesta segunda-feira. Por volta de 1h desta terça-feira, os peemedebistas
ainda não haviam deixado a residência oficial.
Participaram
da reunião outros nomes entusiastas do impeachment, como o deputado Lúcio
Vieira Lima (PMDB-BA), ligado à ala mais rebelde do partido e favorável ao
afastamento de Dilma. O presidente do PSC, Pastor Everaldo, que deu sinal verde
à bancada para votar pelo impeachment na comissão especial que será instaurada
na Câmara, também foi visto deixando o Palácio do Jaburu.
Leia
na íntegra a carta enviada por Temer a Dilma
Senhora
Presidente,
"Verba
volant, scripta manent".
Por
isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e
de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio. Esta é uma carta
pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde
logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha
lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos. Lealdade institucional
pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do vice.
À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto,
sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em
relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para
manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta
ressaltar que, na última convenção, apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o
fizeram, ouso registrar, porque era eu o candidato à reeleição a vice.
Tenho
mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo, usando o prestígio político que
tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.
Isso
tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos
aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1.
Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A senhora sabe
disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter
sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as
crises políticas.
2.
Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou
políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3.
A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da
Aviação Civil, onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho, elogiado durante a
Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto,
desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4.
No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de
muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele,
ministro, retirando, sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele,
ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a
mim; b) e que ele saiu porque faz parte de uma suposta "conspiração".
5.
Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no
momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o
Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos
trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando
se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os
acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60
reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo, solicitando apoio com a nossa
credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6.
De qualquer forma, sou presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me,
chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma
comunicação ao seu vice e presidente do partido. Os dois ministros, sabe a
senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em
eliminar do governo o deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim
ligado.
7.
Democrata que sou, converso, sim, senhora presidente, com a oposição. Sempre o
fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida
provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do
PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado
por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em
duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o pais. O Palácio
resolveu difundir e criticar.
8.
Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o
vice-presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me, o
que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com
o vice-presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes,
no episódio da "espionagem" americana, quando as conversas começaram
a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o
vice-presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de
confiança.
9.
Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi
divulgada e de maneira inverídica, sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10.
Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade,
cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a
confiança, foi tido como manobra desleal.
11.
O PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já
tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como presidente do PMDB,
devo manter cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a
unidade partidária.
Passados
estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá tranquilidade para
crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente,
sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje, e não terá amanhã.
Lamento,
mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente,
À
Sua Excelência a Senhora
Doutora
DILMA ROUSSEFF
Presidente
da República do Brasil
Palácio
do Planalto
Brasília,
D.F.
(Fonte:
Estadão Conteudo)
Terça-feira,
08 de dezembro, 2015
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