Soraia
Aparecida dos Santos se endividou para fazer faculdade; Fábio Chagas para
ajudar um amigo; e Roberto Iglesias para montar um negócio. Os três pegaram
crédito por motivos diferentes, mas hoje vivem o drama de milhares de
brasileiros que não conseguem pagar as contas em dia. Com renda em queda e
desemprego, as dívidas logo saem do controle. Uma pesquisa da empresa de
recuperação de crédito Recovery, feita pelo Data Popular, mostra que hoje o
brasileiro inadimplente deve, em média, três vezes o que ganha e, em alguns
casos, acumula até 20 dívidas diferentes.
A
maior parte das dívidas foi feita nos últimos três anos - período que coincide
com o agravamento da crise econômica. De 2014 para cá, a taxa de desemprego
mais que dobrou, atingindo 14 milhões de brasileiros. Ao mesmo tempo, a
população teve de conviver com a disparada da inflação, escassez de crédito e
juro alto. Foi uma combinação perfeita para o aumento da inadimplência (contas
em atraso por mais de três meses), que hoje atinge um contingente de 61 milhões
de brasileiros. "É metade da população economicamente ativa", afirma
o presidente da Recovery, Flavio Suchek.
O
número de inadimplentes é o maior em pelo menos cinco anos - início do
indicador de Inadimplência do Consumidor da Serasa Experian.
"Diferentemente de outros períodos, a inadimplência elevada não é
resultado de excesso de endividamento - até porque a carteira de crédito está
em queda", diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. "Não é que o
brasileiro está se endividando além da conta, é justamente o impacto da crise,
com o desemprego em nível recorde. Não é que ele não quer pagar - ele não tem é
dinheiro."
Perfil
Na
pesquisa feita pela Recovery, o inadimplente tem várias caras e foge de
qualquer estereótipo. Um quarto dos endividados pertence à classe alta e 40%
têm ensino superior, sendo que 10% são pós-graduados. Na média, cada brasileiro
inadimplente tem três dívidas acumuladas, que somam R$ 8.370.
Apesar
de a maioria dos inadimplentes ainda estar trabalhando, foram o aumento do
desemprego e a queda na renda que turbinaram a escalada do atraso nos
pagamentos. De acordo com a pesquisa, 43% dos entrevistados apontaram o
desemprego como o grande vilão por não estarem em dia com as contas. Outros 19%
disseram não ter renda para pagar a dívida, sendo que 27% deles pertencem à
classe baixa.
O
diretor do Data Popular, Dorival Mata-Machado, afirma que a pesquisa mostrou
uma nova percepção da população brasileira em relação à inadimplência. "As
pessoas estão menos preocupadas com o nome sujo e mais com o que é justo."
Isso significa que os devedores têm pleiteado melhores condições de pagamento,
com descontos maiores e juros menores. Mas essa percepção só aparece quando a
empresa de cobrança bate na porta da casa dos inadimplentes para receber a
dívida. "Até então, a maioria não faz ideia de quanto deve e de quanto
paga de juros", diz Suchek. Ainda segundo a pesquisa, 36% dos
inadimplentes não sabem o tamanho de sua dívida.
Isso
denota que, além de um cenário econômico adverso, pesa na equação - e no bolso
- a falta de conhecimento financeiro do brasileiro.
"O
brasileiro tem dificuldades para lidar com o dinheiro. Para começar, ele
superestima a sua renda, em média, em 8%", afirma Bruno Poljokan, diretor
da plataforma de crédito online Just, do grupo GuiaBolso. "Há ainda falta
de informação sobre as modalidades de crédito, principalmente as mais caras,
como cheque especial e cartão de crédito", diz ele. Segundo dados do
GuiaBolso, quase 40% dos usuários do aplicativo que pagaram juros mensais de ao
menos R$ 5 no rotativo disseram acreditar que não estão endividados.
Esse
quadro, aos poucos, vai se modificando. Segundo Mata-Machado, do Data Popular,
os jovens são os que mais fazem exigências no acerto de contas, por estarem
mais conscientes. "Essa população cresceu num período de bonança. Se
estivesse com o orçamento apertado, fazia um bico, se endividava e corria
atrás. Hoje eles estão tendo de fazer mais contas."
De
qualquer forma, a maioria dos inadimplentes quer renegociar a dívida, especialmente
para voltar a consumir. Embora 79% deva mais para os bancos, é no comércio que
o número de dívidas per capita é maior. São 2,59 dívidas por inadimplente.
Embora
uma alternativa recomendada para os devedores seja trocar uma dívida cara por
uma barata, quando o montante for muito grande, aconselha Poljokan, o ideal é
insistir na renegociação, seja do valor, dos prazos ou condições. (AE)
Segunda-feira,
17 de julho, 2017 ás 9hs30
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