Depois
de tantas revelações sobre engenharias corruptas complexas de sobrepreços,
aditivos, aceleração de obras e manobras cambiais engenhosas, a Operação
Lava-Jato produziu agora uma história simples e de fácil entendimento. Ela se
refere ao que ocorre na etapa final do esquema de corrupção, quando dinheiro
vivo é entregue em domicílio aos participantes. Durante quase uma década,
Rafael Ângulo Lopez, esse senhor de cabelos grisalhos e aparência frágil da
fotografia acima, executou esse trabalho. Ele era o distribuidor da propina que
a quadrilha desviou dos cofres da Petrobras. Era o responsável pelo atendimento
das demandas financeiras de clientes especiais, como deputados, senadores,
governadores e ministros. Braço-direito do doleiro Alberto Youssef, o caixa da
organização, Rafael era “o homem das boas notícias”. Ele passou os últimos anos
cruzando o país de Norte a Sul em vôos comerciais com fortunas em cédulas
amarradas ao próprio corpo sem nunca ter sido apanhado. Em cada cidade, um ou
mais destinatários desse Papai Noel da corrupção o aguardavam ansiosamente.
Os
vôos da alegria sempre começavam em São Paulo, onde funcionava o escritório
central do grupo. As entregas de dinheiro em domicílio eram feitas em endereços
elegantes de figurões de Brasília, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Maceió, São
Luís. Eventualmente ele levava remessas para destinatários no Peru, na Bolívia
e no Panamá. Discreto, falando só o estritamente necessário ao telefone, não
deixou pistas de suas atividades em mensagens ou diálogos eletrônicos. Isso o
manteve distante dos olhos e ouvidos da Polícia Federal nas primeiras etapas da
operação Lava-Jato. Graças à dupla cidadania — espanhola e brasileira —, Rafael
usava o passaporte europeu e ar naturalmente formal para transitar pelos aeroportos
sem despertar suspeitas. Ele cumpria suas missões mais delicadas com
praticamente todo o corpo coberto por camadas de notas fixadas com fita adesiva
e filme plástico, daqueles usados para embalar alimentos. A muamba, segundo ele
disse à polícia, era mais fácil e confortável de ser acomodada nas pernas.
Quando os volumes era muito altos, Rafael contava com a ajuda de dois ou três
comparsas.
A
rotina do trabalho permitiu que o entregador soubesse mais do que o
recomendável sobre a vida paralela e criminosa de seus clientes famosos, o que
pode ser prenúncio de um grande pesadelo. É que Rafael tinha uma outra
característica que poucos sabiam: a organização. Ele anotava e guardava
comprovantes de todas as suas operações clandestinas. É considerado, por isso,
uma testemunha capaz de ajudar a fisgar em definitivo alguns figurões
envolvidos no escândalo da Petrobras. VEJA apurou que o entregador já se
ofereceu para fazer um acordo de delação premiada, a exemplo do seu ex-patrão.
Entre
os políticos que recebiam a grana em mãos estão João Vaccari Neto, tesoureiro
do PT; o senador Fernando Collor (PTB-AL); Roseana Sarney (PMDB), que acaba de
renunciar ao governo do Maranhão; o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte
(PP); o deputado Luiz Argôlo (SD-BA); o
deputado Nelson Meurer (PP-PR) e o deputado cassado André Vargas (PR), chefão
do PT até outro dia.
Por
Robson Bonin e Hugo Marques (Veja)
Domingo,
14 de dezembro, 2014
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