A história começou sob o signo da parceria.
Aproveitando-se dos estragos provocados pela Lava-Jato nos maiores partidos
políticos do país, Jair Bolsonaro empunhou a bandeira do combate à corrupção na
campanha presidencial. Vencedor da eleição, convidou o então juiz Sergio Moro,
símbolo da operação, para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança
Pública. Com o gesto, o presidente eleito agradou a uma fatia importante do
eleitorado e, assim, investiu pesado na própria popularidade. Já Moro, ao
aceitar o convite, alegou ter condições de — com a máquina federal nas mãos —
ampliar o cerco contra o crime organizado e as quadrilhas de colarinho-branco.
Pelo roteiro traçado, os dois personagens manteriam uma relação de perfeita
simbiose. Um fortaleceria o outro. Depois de oito meses de governo, algo fugiu
do script, e imperam os atritos, as intrigas e as disputas pelo controle de
cargos estratégicos. O motivo é simples: Bolsonaro acha que ele e Moro juntos
são imbatíveis nas urnas, mas teme que o ministro, mais popular que o
presidente, lance candidatura própria ao Palácio do Planalto em 2022. Por isso
a história agora se desenrola sob o signo da desconfiança.
Conhecido
por enxergar adversários e conspiradores em todos os cantos, Bolsonaro tem
razão para estar preocupado. Pela primeira vez desde que assumiu o mandato, sua
base de apoio rachou. De um lado está o bolsonarismo puro, que prega a defesa
cega do presidente acima de qualquer coisa, sejam projetos prioritários, sejam
bandeiras de campanha. De outro perfilam-se os Lavajatistas, para quem o
combate à corrupção é mais importante que a figura do presidente. A cizânia
ficou explícita em razão da proposta de criação da chamada CPI da Lava-Toga,
destinada a investigar o Poder Judiciário. Sob a batuta do guru Olavo de
Carvalho, os bolsonaristas puros passaram a pregar contra a CPI, alegando que a
comissão poderia prejudicar a governabilidade e a relação entre o Executivo e o
Judiciário. “Vamos combater a corrupção? Não. Vamos combater primeiro o
comunismo, seus idiotas”, disparou Olavo de Carvalho, com seu estilo habitual,
num vídeo divulgado na internet. E acrescentou: “O que tem de fazer agora não é
ficar cobrando o Bolsonaro. Você tem de se organizar para apoiá-lo. A coisa
mais urgente no Brasil é uma militância bolsonarista organizada”.
Na
política, assim como nos casamentos e nas relações humanas, nenhuma aliança é
rompida do dia para a noite. Trata-se de um processo longo, lento, com idas e
vindas, que pode até ser revertido, mas na maioria das vezes desemboca num
desfecho previsível. O que impulsiona esse desgaste é a diferença de estilos, a
famosa incompatibilidade de gênios, e de objetivos. No caso de Bolsonaro e
Moro, a origem da discórdia foi a tentativa de blindagem em relação aos
problemas do senador Flávio Bolsonaro com assessores e movimentações
financeiras. Desde o início do caso, o presidente esperava um gesto público de
Moro em solidariedade ao senador, o que nunca aconteceu. Com o desenrolar dos
movimentos jurídicos, Bolsonaro ficou ainda mais contrariado ao saber que Moro
foi ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, pedir que o plenário do
tribunal julgasse logo a liminar que suspendeu todas as investigações criminais
que usam, sem autorização judicial prévia, dados detalhados de órgãos de controle,
como o antigo Coaf. O mais notório beneficiado pela liminar de Toffoli foi
exatamente Flávio Bolsonaro. O mal-estar entre chefe e subordinado nessa
questão de interesse familiar, tema muito caro ao presidente, deflagrou uma
série de decisões administrativas, todas destinadas a fortalecer o clã
Bolsonaro e enfraquecer Moro. Com o aval do presidente, o Congresso tirou o
antigo Coaf do guarda-chuva do Ministério da Justiça. Rebatizado de Unidade de
Inteligência Financeira, o órgão está vinculado agora ao Banco Central. Moro
também foi ignorado na escolha do novo procurador-geral da República. Desde o
início do governo, ele vinha sendo aconselhado a mapear possíveis candidatos
para o cargo, conversar com os postulantes e apresentar ao presidente os melhores
nomes. O ministro tinha preferência pública por Vladimir Aras, que atuou na
área de cooperação internacional da Lava-Jato, mas disse que aguardaria a
formação da lista tríplice elaborada pelos procuradores para conversar com
Bolsonaro. O ex-juiz acreditava que teria papel decisivo na indicação e chegou
a afirmar reservadamente que o provável PGR, Augusto Aras, não era um bom nome.
O presidente, como se sabe, ignorou solenemente sua opinião. (Com Veja)
Sábado,
21 de setembro ás 12:00
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