O
Supremo Tribunal Federal (STF) começa nesta quinta-feira uma série de
julgamentos relacionados à Lava Jato com potencial para contrariar os
interesses de procuradores e mudar o rumo de investigações em curso no País.
Mais do que impor eventuais derrotas para a operação, trata-se de garantir “a
vitória da Constituição”, na definição de um ministro da Corte.
A
primeira questão a entrar em pauta é a possibilidade de prisão após condenação
em segunda instância, um dos pilares da Lava Jato e defendida pelo ministro da
Justiça, Sérgio Moro.
CRITÉRIOS
– O Plenário do tribunal também deverá firmar o entendimento sobre o
compartilhamento de dados fiscais e bancários de órgãos como a Receita e o
antigo Coaf sem autorização judicial, além de definir critérios sobre a
anulação de condenações nos casos em que réus delatados não tiveram assegurado
o direito de falar depois de réus delatores.
“Todo
mundo é a favor do combate à corrupção, mas observados os meios contidos na
ordem jurídica. Em Direito, o meio justifica o fim, não o fim ao meio. Não dá é
para levar essa persecução penal de cambulhada (falta de ordem). Não avançamos
culturalmente a qualquer custo”, disse o ministro Marco Aurélio Mello ao
Estado, em referência à agenda de fim de ano do STF. “Eu não posso atropelar as
normas de regência que revelam franquias e garantias do cidadão.”
CASO
LULA – Na Segunda Turma – composta por 5 dos 11 ministros da Corte –, é
aguardada a conclusão do julgamento em que a defesa do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva acusa Moro de agir com parcialidade quando era juiz
federal em Curitiba, por condená-lo no caso do tríplex do Guarujá e, depois,
assumir o cargo de ministro no governo Bolsonaro.
Procuradores
envolvidos nas investigações criticam a possibilidade de alterações, com o
argumento de que podem abrir brecha para a anulação de condenações. Coordenador
da força-tarefa de Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol já falou em
entrevistas recentes em “revanchismo” e “tremendo retrocesso” para a Lava Jato.
PROTESTOS – Essas críticas também têm alimentado grupos
na internet que, apoiados por parlamentares, se organizam em protestos contra o
Supremo. O último deles aconteceu no fim de setembro, quando manifestantes
vestidos de verde e amarelo tentaram derrubar as grades que cercam a área
externa do Supremo, o que levou policiais a dispararem gás lacrimogêneo para
dispersar a multidão. Os manifestantes falavam em “moralizar” o Supremo. No
meio da confusão, um policial militar foi ferido a pedradas.
A
pauta de fim de ano virá à tona depois de o site The Intercept Brasil publicar
o teor de supostas mensagens trocadas pelo então juiz Sérgio Moro e
procuradores durante o curso da Lava Jato. Alvo de tiroteio político, Moro
enfrenta desgaste e dificuldades no Congresso para a aprovação do pacote
anticrime.
O
presidente Jair Bolsonaro também tem receio de que o ministro não seja aprovado
pelo Senado, para uma cadeira no Supremo, por causa da retaliação de políticos
investigados em operações autorizadas por ele quando juiz. A partir de novembro
de 2020 haverá duas vagas na Corte.
POLARIZAÇÃO
– Na avaliação de Davi Tangerino,
professor de Direito Penal na FGV Direito São Paulo, as futuras decisões do
Supremo envolvendo a Lava Jato vão reforçar o ambiente polarizado no País.
“Temos vivido tempos binários. Vai ter uma turma grande tomando isso como
sinônimo de impunidade e uma outra dizendo que o Supremo fez justiça ao Lula.
Quem vai falar mais alto, fazer mais barulho? O tempo vai dizer”, afirmou. “A
Lava Jato é uma força-tarefa que teve resultados importantes, mas que há muito
tempo vem cometendo excessos. O mais correto é entender que, finalmente, o
Supremo percebeu que houve abusos e agora, pelos indicativos que a gente está
recebendo, vai retomar o trilho constitucional.”
Relator
de três ações que discutem a execução antecipada de pena após segunda
instância, Marco Aurélio já cobrou tanto o atual presidente do STF, Dias
Toffoli, quanto sua antecessora, Cármen Lúcia, pedindo a inclusão do tema na
pauta do plenário, que enfim vai a votação quinta-feira, dia 17.
Em
dezembro de 2018, na véspera do recesso de fim do ano, Marco Aurélio deu
liminar derrubando a possibilidade de prisão após condenação em segunda
instância, mas a decisão acabou cassada por Toffoli no mesmo dia.
ESGOTAMENTO
DE RECURSOS – Agora, a expectativa de ministros tanto da ala alinhada à Lava
Jato quanto da corrente mais crítica à atuação do Ministério Público é a de que
a atual posição do STF sobre o tema seja revista. A dúvida é se o Supremo vai
permitir a prisão apenas após se esgotarem todos os recursos, o chamado
“trânsito em julgado”.
Também
pode optar por uma solução intermediária, fixando como marco uma definição do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) – posição que já foi defendida por Toffoli e
Gilmar. É da ministra Rosa Weber o voto considerado decisivo para definir o
placar, que tende novamente a ser apertado. Em abril do ano passado, Rosa votou
contra um pedido de liberdade de Lula, ainda que também já tivesse se
posicionado contra a execução antecipada de pena. Argumentou que seguiu a
jurisprudência do tribunal.
Ainda
em novembro, o Supremo deve decidir se confirma liminar concedida por Toffoli
que suspendeu em todo o País processos sobre compartilhamento de dados da
Receita e do antigo Coaf sem autorização judicial. A decisão afeta diretamente
o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que entrou na mira do MP por supostos atos
cometidos quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Por decisão de
Toffoli, essa apuração está parada.
(Estadão)
Terça-feira,
15 de outubro ás 12:00
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