Dilma
e Lula sabiam de tudo sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, teria
declarado o doleiro Alberto Youssef na moldura da delação premiada. A notícia
bombástica, publicada por Veja na antevéspera do segundo turno, não apareceu
nos telejornais da Globo daquela sexta, mas ganhou manchete da Folha de S.Paulo
no dia seguinte. Você pode interpretar as diferenças de comportamento entre os
três veículos sob as lentes da disputa partidária, mas apenas se apreciar
teorias conspiratórias ou estiver a serviço de uma agenda política.
Na
Folha, um jornalista enveredou pela trilha minada, atribuindo o silêncio da
Globo ao “medo” do governo. A resposta, assinada por Ali Kamel, diretor de
Jornalismo da emissora, transferiu a polêmica para o campo da ética jornalística:
“A Globo (...) não faz política, faz jornalismo. (...) só repercute denúncias
de outros veículos se puder confirmá-las por meios próprios”. O princípio
parece ter orientado a própria Folha quando publicou a denúncia de Youssef
junto com a explicação de que a confirmara com suas fontes. A revista e o
jornal não estavam noticiando que Dilma e Lula sabiam do desvio de somas
astronômicas da estatal para o PT, o PMDB e o PP. Contudo, empenhavam a sua
reputação na informação de que Youssef declarara isso às autoridades judiciais.
Fizeram jornalismo ou política?
Naquele
sábado, véspera da eleição, militantes da União da Juventude Socialista (UJS),
um tentáculo do PCdoB, promoveram atos de vandalismo diante da sede da Editora
Abril, acusando a revista de conspirar contra a candidatura de Dilma Rousseff.
À noite, os telejornais da Globo noticiaram o evento e o contextualizaram. “O
ataque ao prédio da Editora Abril, um ataque à liberdade de imprensa, não
poderia ser ignorado”, argumentou Kamel, para concluir: “E, ao ser noticiado,
era preciso explicar que ele fora motivado por uma reportagem, sem endossá-la”.
Na celebração da vitória de Dilma, militantes petistas entoaram palavras de
ordem contra a Globo. Dias depois, Lula qualificou a edição de Vejacomo “um
panfleto da campanha do Aécio”, mas não se referiu à Folha. É política contra
política ou política contra jornalismo?
A
expressão “guerra midiática” alcançou estatuto oficial na Venezuela de Hugo
Chávez. O ex-presidente “bolivariano” chegou a promover um encontro
latino-americano destinado a consagrar a tese de que a imprensa é um
instrumento de potências estrangeiras ou de elites nacionais contra governos
“populares”. Na Argentina, no Equador e na Bolívia, a tese sustenta campanhas
estatais contra a liberdade de imprensa. No Brasil, desde o escândalo do
mensalão, foi abraçada por setores do PT e encampada por Franklin Martins, que
trocou a posição de comentarista político da Globo pela de ministro das
Comunicações de Lula. Em seu primeiro mandato, Dilma afastou-se do rumo
esboçado nos anos anteriores, congelando as propostas de “controle social da
mídia” que se articulavam sob o comando do ministro. Hoje, contudo, no rastro
dos vazamentos do escândalo na Petrobras, multiplicam-se os indícios de
ressurreição do projeto engavetado. O tácito respaldo de Lula às arruaças da UJS
não é um raio no céu claro.
O
jornalismo livre não produz discursos monocórdicos, como fazem as agências
estatais e as assessorias de imprensa. Veja e Folha arriscaram sua
credibilidade, pois acreditam nas suas fontes. A Globo, que também acredita nas
suas, diferentes, preferiu adotar postura mais cética. Nenhum dos veículos,
porém, questionou o princípio jornalístico de que a missão da imprensa é dar
notícias de interesse público, mesmo se oriundas de vazamentos judiciais: nas
democracias, a proteção do segredo de Justiça não é responsabilidade de
jornalistas, mas de policiais e juízes.
Sob
o influxo da tentação autoritária de “controle social da mídia”, o episódio
converteu-se em nova plataforma de ataque contra os princípios do jornalismo.
Não fosse isso, estaríamos discutindo o que, de fato, interessa: a excessiva
amplitude do instituto do segredo de Justiça no sistema judicial brasileiro
DEMÉTRIO
MAGNOLI -O GLOBO - 06/11/2014
Quinta-feira,
novembro 06, 2014
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