Como
já virou praxe em época de transição de governo, quem assume a máquina estatal
precisa lidar com uma dívida da gestão anterior. Nesse enredo, aquele que se
despede costuma justificar a situação com o tradicional “se está ruim, já foi
pior”. Desta vez, no entanto, a chamada “herança maldita” atinge seu nível mais
alarmante em uma troca de comando no Distrito Federal. A estimativa de rombo
nunca foi tão grande, bem como a insegurança de empresários e funcionários
públicos com a crise financeira instalada. Um documento usado nas reuniões de
transição, põe na ponta do lápis os números que subsidiaram o futuro governador
Rodrigo Rollemberg (PSB) a falar em um déficit de até 2,3 bilhões de reais para
2015. Por mais distante que a quantia pareça estar do orçamento doméstico do
brasiliense, o destino dessa bolada fará diferença na rotina de qualquer
cidadão que se utiliza de serviços geridos pelo governo. Os reflexos desse
contexto ficam mais evidentes a cada dia. Eles começaram há alguns meses,
quando a administração pública passou a atrasar faturas com fornecedores, e
marcaram presença nas recentes medidas que determinaram a suspensão de novos
contratos e a proibição de benefícios ao servidores.
A
origem desse vácuo bilionário, desvelado ao apagar das luzes da gestão de
Agnelo Queiroz (PT), está na frustração de receitas, e não propriamente em um
gasto além do planejado. Nos últimos anos, durante a elaboração do orçamento do
Distrito Federal, os gestores fizeram uma previsão superestimada dos recursos
que entrariam nos cofres públicos. Essa verba é formada a partir de algumas
fontes. As principais são o dinheiro recolhido dos impostos e uma quantia
considerável repassada pela União, por meio do Fundo Constitucional. Para se
ter uma ideia do volume de dinheiro que circula nas mãos do governante local,
em 2013 o GDF amealhou 16,9 bilhões de reais em receitas próprias. Desse total,
11,4 bilhões vieram apenas de tributos. Para 2014, os gestores fizeram contas e
estimaram que fechariam o ano com 22,6 bilhões de recursos dessa mesma
natureza. O problema é que, até o último dia 20, o montante obtido somava 15,1
bilhões de reais. Como no fim do ano as despesas são mais rotineiras do que o
recolhimento de tributos, as novas previsões, desta vez feitas por técnicos do
Tribunal de Contas do DF (TCDF), indicam que o GDF encerrará esta temporada com
uma frustração de receita para além dos 2 bilhões de reais. Isso costuma
ocorrer quando o governo vincula suas metas financeiras a um crescimento
econômico que não se confirma. E, nos últimos dois anos, tanto o país como os
entes federados evoluíram menos do que anunciavam os gestores públicos.
“Acompanhamos os números oficiais da capital semana a semana. A situação é tão
dramática que começo a me preocupar com o pagamento do salário de servidores”,
alerta o conselheiro do TCDF Renato Rainha. Ele foi o único integrante da corte
a votar pela rejeição das contas do governo relativas a 2013. Por ampla
maioria, o tribunal aprovou a gestão financeira desse exercício, mas com
ressalvas. No documento de 2013, o relator Manoel de Andrade já falava em um
déficit bilionário e dava o indicativo dos tempos de arrocho que agora se
materializam. “Trata-se do pior resultado apresentado no âmbito do Distrito
Federal desde a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal.”
A
partir do momento em que as contas deixaram de fechar no papel, fornecedores,
beneficiários de programas e até servidores públicos começaram a sentir no
bolso o desajuste financeiro do governo. No dia 4, os diretores da Sanoli
Indústria e Comércio de Alimentação Ltda. suspenderam pela segunda vez, em
menos de dois meses, o fornecimento de refeições a médicos, enfermeiros e
funcionários em geral de hospitais públicos da capital. A empresa reclama de
faturas não pagas da ordem de 25,5 milhões de reais. Em quarenta anos nesse
mercado, diretores da Sanoli constatam que nunca viveram uma incerteza como a
atual. Firmas que atuam na limpeza e segurança dos hospitais (Ipanema, Dinâmica,
Confederal), no gerenciamento de prontuários médicos (Intersystem), na entrega
de medicamentos (Hospfar) e até no fornecimento de gases para a rede (White
Martins e Linde Gases) também cobram do governo pagamentos atrasados.
Por
Lilian Tahan
Sábado,
8 de outubro, 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário