Napoleão,
Hitler, Mussolini, Chávez, Evo Morales, Lula e, agora, Dilma. Quando o objetivo
é levar o povo ao autoengano, o truque clássico é convocar um plebiscito
A
Constituição Brasileira de 1988 prevê, no artigo 14 do capítulo dedicado aos
direitos políticos, que o povo poderá exercer a democracia direta de três
maneiras: plebiscito, referendo e iniciativa popular. No plebiscito, as pessoas
respondem sim ou não às perguntas. Em caso de vitória do sim, o Congresso faz
leis para materializar o veredicto popular. No referendo, primeiro a lei é
feita e aprovada pelo Congresso, mas só entra em vigor se a maioria dos
eleitores do país disser sim a ela. “No referendo, o povo endossa um cheque do
Parlamento. No plebiscito, o povo dá ao Parlamento um cheque em branco”, resume
magnificamente Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF).
A
iniciativa popular é um projeto de lei que vai de baixo para cima. Mas ela só
pode ser apresentada por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído
pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos
eleitores de cada um deles. A iniciativa popular foi o único desses
instrumentos constitucionais a produzir no Brasil efeitos realmente
transformadores, caso da Lei da Ficha Limpa, de 2010, proposta pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), que impede condenados pela Justiça de se candidatar
nas eleições.
O
mais recente plebiscito realizado no país, o do desarmamento, em 2005, no
primeiro mandato de Lula, foi uma farsa. Quase 70% dos eleitores brasileiros
disseram não à pergunta “O comércio de armas de fogo e munição deve ser
proibido no Brasil?”. O povo, assim, recusou aos parlamentares de Brasília o
direito de transformar em lei um artigo do Estatuto do Desarmamento. Foi então
meio referendo, meio plebiscito. Mas a farsa não se deveu a essa
particularidade, e sim ao fato de os eleitores terem sido submetidos a uma
pergunta enganosa.
O
povo brasileiro deu a Lula um triplo não.
Preferido
por demagogos e manipuladores da vontade popular desde os tempos da República
Romana, passando por Napoleão, Hitler, Mussolini, chegando a Hugo Chávez e Evo
Morales, o plebiscito virou conversa frequente da presidente reeleita Dilma
Rousseff. Confrontada com Renan Calheiros, presidente do Senado, Dilma,
taticamente, recuou da proposta de fazer reforma política por plebiscito,
aceitando, por enquanto, o referendo.
É
empulhação do mesmo jeito. Empulhação por quê? Porque tudo o que o governo quer
agora, a exemplo de Lula com o mensalão, é desviar a atenção do escândalo do
petrolão. Reforma política requer discussões profundas, técnicas, sobre temas
complexos que não são resumíveis a decisões em preto e branco, pelo sim ou não.
Uma das perguntas que o PT faria seria esta: “Você é favorável ao financiamento
público de campanhas?”. É impossível responder sem mais detalhes, a não ser que
o objetivo seja manipular o povo, tachando de “bêbado”, “drogado”, “nazista” e
“espancador de mulheres” quem ficar contra a proposta oficial. O certo seria
perguntar: “Além de trabalhar cinco meses por ano apenas para pagar impostos e
taxas, você é favorável a tirar ainda mais dinheiro da sua família e dá-lo aos
candidatos a cargos públicos?”. Mas...
A
ideia do plebiscito é bolivariana. O governo da Venezuela, em 2009, propôs ao
povo a seguinte questão: “Está de acordo em deixar sem efeito o mandato popular
outorgado mediante eleições democráticas ao cidadão Hugo Rafael Chávez Frías?”.
A pergunta honesta seria: “Aceita que Chávez nunca mais saia do poder?”.
Honestidade não combina com bolivarianismo. No Brasil, a ideia tomou corpo no
PT por diversas razões. Uma delas é a genuína vontade do partido de truncar as
atuais regras eleitorais, agora que suas vitórias na democracia representativa
estão se dando por margens cada vez menores. Para o PT, é vital um método menos
arriscado de se perpetuar no poder. Outro objetivo é fazer do plebiscito a
regra e dar uma banana para as instituições.
Ditadores
são os maiores adeptos da consulta plebiscitária — não por amor à democracia, é
óbvio, mas pela facilidade de manipulação. Hitler ganhou plenos poderes na
Alemanha em 1934 em um plebiscito em que ficou com 90% dos votos. Em 1936,
Hitler obteve 98,8% de aprovação em um plebiscito em que perguntava ao povo se
concordava com a militarização da margem oeste do Rio Reno, o que lhe era
vedado desde a derrota na I Guerra Mundial. Já sob as botas nazistas, 99,7% dos
austríacos disseram sim à unificação com a Alemanha. Mussolini, o fascista
italiano aliado de Hitler, consolidou o totalitarismo com 99,8% de votos
favoráveis. Napoleão Bonaparte venceu por 90% o plebiscito com o qual sepultou
a Revolução Francesa e em que só três em cada 100 franceses votaram. Dilma
rebateu críticas à proposta de fazer reforma política por plebiscito com um
argumento esfumaçado: “É estarrecedor que se considere plebiscito algo
bolivariano... Então a Califórnia faz bolivarianismo”. Hello! A Califórnia é um
estado, não um país. Por essa lógica, se a Califórnia tem terremoto e o Japão
também, a conclusão deve ser que os californianos falam japonês. Então, à luz
da experiência histórica, fica combinado o seguinte: plebiscito com o PT no
poder, não, não e não!
Fonte:Veja
Sábado,
01 de novembro, 2014.
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