Dez
mil é o número registrado no caderninho lulopetista. Automaticamente, por uma
decisão de cima, qualquer manifestação pública relevante reunirá 10 mil
militantes, entre portadores petistas de holerites, sindicalistas profissionais
e ativistas de "movimentos sociais". Menos de um terço disso apareceu
na melancólica despedida de Dilma Rousseff, provável indício de uma ordem de
desmobilização emanada de Lula. As homenagens à presidente escorraçada ficaram
a cargo do presidente interino. Michel Temer bateu continência duas vezes,
comprovando o horror à ruptura tão entranhado em nossa elite política.
No
primeiro gesto de continência, o substituto desvelou a marca publicitária de
seu governo, que empresta da bandeira nacional a abóboda celeste circundada
pelo lema "Ordem e Progresso". A lei proíbe o uso da administração
para propaganda pessoal dos governantes. As marcas publicitárias são a forma
encontrada pelos políticos de circundar o veto legal, identificando eficazmente
os atos de governo à figura dos governantes. O PT conduziu a prática ilegal ao
paroxismo, criando uma marca geral para seus governos ("Brasil, país de
todos"), de modo a produzir a tripla identificação
governo-partido-governante. Temer reitera a ilegalidade, mas do seu jeito.
Inaugurando
seu segundo mandato, Dilma inovou com a "pátria educadora", uma
tentativa de singularizar sua imagem, distinguindo-se do PT. O presidente
interino prefere investir na ideia de "união nacional" –e, para
tanto, cobre seu governo com o manto da própria nação. A operação de marketing
tem um cerne autoritário, sintetizado na mensagem subterrânea de que a
fidelidade à pátria solicita o apoio ao governo. "O povo precisa colaborar
e aplaudir as mudanças que venhamos a tomar", declarou Temer logo após a
posse, reivindicando abusadamente uma nota promissória em aberto.
No
segundo gesto de continência, o substituto desvelou sua escultura ministerial,
que é Dilma menos a ideologia. A alardeada redução de ministérios quase não
passa de um truque de ilusionismo vulgar, realizado pela agregação de pastas
sob rótulos abrangentes. O núcleo palaciano (Jucá, Padilha, Geddel, Moreira
Franco) é uma camarilha peemedebista, no estilo do burô petista de Dilma
(Wagner, Berzoini, Cardozo, Edinho). A equipe econômica (Meirelles e Goldfajn),
que sinaliza a mudança de rota, foi conectada ao núcleo palaciano por uma dupla
ponte política (Jucá e Moreira Franco). Num círculo externo, raros nomes
notáveis (Serra, Jungmann, Mendonça Filho) destacam-se sobre o fundo cinzento
da tradicional repartição partidária do butim.
Sumiram
os ministérios consagrados à cooptação de "movimentos sociais".
Ficou, um pouco atenuado, o "presidencialismo de coalizão", expressão
inventada por cientistas políticos brasileiros profissionalmente interessados
na "normalização" da corrupção institucional. O espectro de Dilma
ronda a paisagem da Esplanada, imantado em personagens como o bispo Marcos
Pereira, o herdeiro de Jader Barbalho, o ministro-de-qualquer-governo Kassab e
os notórios Picciani e Henrique Alves. Na pasta da Justiça, sai o Ministro da
Chicana e entra o Ministro da Ordem: o Brasil oficial não tem lugar para um
jurista independente.
"A
classe política unida ao povo." Temer pronunciou esse desejo –mas, rodeado
por representantes de quase todos os 35 partidos legalizados, calou sobre a
urgência de uma reforma política. Tempo de quimeras.
Demétrio Magnoli
Sábado,
14 de maio, 2016
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