Fala-se nas diferenças de ideias
entre PT e PMDB como se a representação mental de algo concreto fosse a razão
primordial da aliança entre os dois partidos.
Mas o fato de divergirem sobre
questões como a criação de conselhos populares para orientar decisões de
governo, controle dos meios de comunicação e plebiscito sobre Constituinte
exclusiva para reforma política não tem a menor importância.
Esses temas são caros aos
petistas, que nem por isso dão a mínima para a posição contrária dos
pemedebistas. Entre outros motivos porque no mundo real todos eles sabem que
tais propostas não passam de conversas para agradar momentaneamente o público
do PT e que não vão adiante por absoluta ausência de respaldo político, social
e, em alguns aspectos, legal.
Assim como as divergências de
pontos de vista pouco importam, é irrelevante a agenda dita de compromissos que
o PMDB apresenta ao parceiro para fugir da pecha de fisiológico quando firma
aliança para concorrer às eleições. Em 2006, ao aderir de corpo e alma ao
governo Lula, o partido apresentou um documento chamado "Os sete
mandamentos", do qual falaremos adiante.
Falemos primeiro dos mandamentos
de 2014. São oito os itens escolhidos pelo PMDB para exibir como
"prova" de que o apoio à reeleição de Dilma Rousseff é programático.
São as seguintes as exigências
para eventual segundo mandato: 1. Forte suporte público à política industrial;
2. Retomada do processo de crescimento mediante a criação de um Plano Nacional
de Formação e Qualificação de Trabalhadores; 3. Novo modelo de política de
infraestrutura; 4. Garantia de acesso à saúde e à educação; 6. Manutenção e
extensão das políticas compensatórias; 7. Democratização dos meios de
comunicação; 8. Política externa independente e progressista.
Em matéria de obviedades, estaria
completo o decálogo com o apoio à luz elétrica e à água encanada. Ainda assim,
vamos que Dilma reeleita não cumpra os compromissos exigidos pelo PMDB, deixará
ele o governo em protesto programático?
Sem chance. Ficará exatamente
onde lhe convier. Como fez nos últimos anos desde que apresentou os tais sete
mandamentos de 2006, reunidos em documento na ocasião tido como atestado da
"altivez doutrinária" do PMDB.
Vamos aos pontos: 1. Reformas
política e tributária; 2. Crescimento econômico acima de 5%; 3. Manutenção dos
gastos correntes a níveis inferiores ao PIB; 4. Consolidação das atuais
políticas de transferência de renda; 5. Renegociação das dívidas dos Estados;
6. Fortalecimento da federação; 7. Criação de um conselho político de partidos
para acompanhar as ações de governo.
Os escribas de tão nobres tábuas
tiveram o cuidado de ser mais genéricos entre uma e outra. A de 2014 é vaga o
suficiente para não dar margem alguma a cobranças. Já a de 2006 se presta a
comparações com a realidade.
Reformas política e tributária?
Nem pensar. Crescimento acima de 5%? Nem precisamos entrar e em detalhes.
Contenção dos gastos públicos fez o caminho inverso ao do PIB, proporcionando
aquele falado espetáculo do crescimento. As políticas de transferência de renda
são de interesse do governo; portanto, compromisso do PT com ele mesmo.
Já era previsto que o PMDB não se
revoltaria caso não se fortalecesse a federação nem promoveria a ruptura se o
tal conselho de partidos não vingasse, como não vingou.
O PMDB renovou a aliança com o PT
em clima de revolta, mas não por quebra de compromissos programáticos e sim por
falta de influência no governo, insuficiência de poder nos ministérios e avanço
do PT sobre as bases do partido nos Estados.
Coisa feia. O que se viu na
abertura da Copa ficou muito pior para quem não diferencia protesto de
estupidez do que para a presidente que cumpria missão protocolar. Vaia é do
jogo, mas o insulto despolitiza o gesto.
DORA KRAMER - O ESTADO DE S.PAULO.
Segunda-feira, 16 de junho, 2014.
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