Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta “descalabro” na gestão do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e dificuldades para que o programa
banque os estudos de gerações futuras em instituições privadas de ensino
superior. O relatório da fiscalização, julgado ontem em plenário, sustenta que
o governo escondeu dívida de R$ 3,1 bilhões com as faculdades, praticando uma
espécie de “pedalada” na educação. Uma projeção dos técnicos da Corte, mas que
não consta do parecer, indica que o rombo pode chegar a R$ 20 bilhões no início
da próxima década.
O
tribunal determinou, por unanimidade, que oito autoridades dos governos de Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff sejam ouvidas em audiências para explicar
as irregularidades no Fies. Entre elas, estão os ex-ministros da Educação
Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo, Aloizio Mercadante e José
Henrique Paim. Também terão de apresentar justificativas os ex-titulares do
Planejamento Miriam Belchior e Nelson Barbosa. Ao fim do processo, eles podem
ser punidos com multas de até R$ 54 mil e inabilitação para o exercício de
cargos em comissão e funções de confiança no serviço público.
“Não
posso deixar de destacar minha indignação com o descalabro da gestão do Fies”,
afirmou, na sessão, a ministra Ana Arraes, relatora do processo no TCU. O
trabalho de fiscalização mostra que, entre 2009 e 2015, o número de beneficiários
do programa cresceu aceleradamente, alcançando 2,2 milhões, enquanto o governo
afrouxava as exigências para a participação. A maior adesão (1,2 milhão de
novos contratos) se deu entre 2013 e 2014, período que antecedeu a campanha de
Dilma Rousseff pela reeleição, no qual Mercadante e Paim se alternaram no
comando da Educação.
A
flexibilidade foi tanta que, em 2013, 98% dos jovens com mais de 17 anos se
enquadravam nos critérios de renda exigíveis, situação que se manteve até o
primeiro semestre de 2015. No ano passado, em função da crise, o governo passou
a restringir a participação.
Para
o TCU, houve “desvirtuamento” dos propósitos do programa, com a “concessão
indiscriminada de crédito” sem análise prévia, resultado da falta de
planejamento do governo.
Juros
A
taxa de juros era tão baixa que, mesmo para quem podia pagar mensalidade, era
mais vantajoso recorrer ao Fies e aplicar o próprio dinheiro no mercado
financeiro. De 2010 a 2015, se descontada a inflação, os juros praticados foram
negativos, chegando a – 6,57% em 2015. Estimulado por essas condições, quem
estava matriculado em instituições privadas sem depender do governo passou a
pedir financiamento.
“É
certo que o Fies passou a ser visto não apenas como oportunidade de acesso ao
ensino superior, mas também como chance de realização de negócios”, registra a
auditoria. O TCU aponta ainda que haverá sérias dificuldades para manter a
concessão de financiamentos. A inadimplência, em 31 de dezembro de 2015,
chegava a 49% dos contratos em fase de amortização – desse universo, metade
tinha atrasos superiores a 360 dias. O calote impossibilita o “círculo
virtuoso” em que a receita desses pagamentos serve para bancar novos
empréstimos.
“As
ausências de planejamento e do real dimensionamento dos impactos fiscais
advindos da expansão do Fies levaram a aumento exponencial das despesas,
incompatível com a crise fiscal que assolou o País”, sustenta Ana Arraes. A
auditoria cita dados do Ministério da Fazenda que indicam que, ainda que não
haja inadimplência, para cada R$ 100 desembolsados pelo Tesouro Nacional, só R$
53 retornariam ao Fies. Apenas para manter os financiamentos assinados até
2015, serão necessários R$ 55 bilhões até 2020.
Como
consequência das dificuldades para sustentar os benefícios, segundo a
auditoria, o governo Dilma editou uma portaria no ano eleitoral de 2014 que
previa, em vez de 12 pagamentos por ano às principais instituições privadas do
Fies (um por mês), apenas oito (um a cada mês e meio). Assim, a cada 45 dias,
elas receberiam por 30. Esse mecanismo permitiu, segundo o TCU, que o governo
ocultasse passivos com as faculdades, a chamada “pedalada”.
Entre
2010 e 2015, o governo previu no orçamento do Fies muito menos recursos que o
necessário para custeá-lo, o que, conforme os auditores, mascarou as contas do
programa. Em 2014, por exemplo, a previsão inicial correspondeu a 12% das
despesas. A presidente Dilma, diz o relatório, abriu créditos extraordinários
de forma irregular para complementá-las.
Excel
O
TCU indica também que o programa tem sido controlado de forma rudimentar. “As
informações estariam sendo monitoradas apenas mediante planilha eletrônica
(Excel)”, escrevem. Na decisão, os ministros fazem várias determinações para
corrigir as falhas. (AE)
Quinta-feira,
24 de novembro, 2016
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