As grandes manifestações de meados
do ano passado introduziram na pauta da sociedade um tema que até então estava
praticamente restrito aos círculos especializados: mobilidade urbana.
Inicialmente limitado à questão do aumento das tarifas do transporte público,
logo o assunto ganhou amplitude e espaço nas mídias, tanto as tradicionais
quanto as sociais. Ou seja, cada vez mais, passa a ser entendida como a
existência de um conjunto de facilidades que assegure conforto e agilidade na
locomoção para o trabalho, o lazer, a escola, o retorno ao lar, enfim, para
qualquer local a que o cidadão tenha desejo ou necessidade de se deslocar,
independentemente do tipo de veículo utilizado.
O sinal amarelo para o
agravamento da situação já vem se acendendo há vários anos. Só para ficar nos
cenários mais recentes, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad
2012) registra aumento de 37% para 42,4% das famílias com pelo menos um carro,
no período 2009-2012. Isso apesar de um indicador apontado por estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do mesmo ano, segundo o qual o
gasto com o transporte privado é cinco vezes maior do que as despesas com
transporte público. Evidentemente, a opção pelo automóvel é consequência do
inchaço das cidades, causado pelo crescimento demográfico, que foi empurrando
as moradias para locais distantes dos núcleos de trabalho e outros serviços
urbanos, e pela deterioração da qualidade do transporte público, tanto pela
insuficiente capacidade de embarque de passageiros quanto pela lentidão e pelo
desconforto das viagens. Mais recentemente a preferência pelo transporte
individual foi estimulada pela concessão de incentivos fiscais à indústria
automobilística e pela facilidade de financiamento para compra de carros.
A edição recém-divulgada da
Pesquisa de Mobilidade, atualizada a cada cinco anos pelo Metrô de São Paulo,
já traz os primeiros reflexos de tais decisões: houve uma redução no uso de
transporte coletivo pelas pessoas de menor renda (queda de 2% na faixa até R$
2.448, e de 4% na faixa R$ 1.248-R$ 4.976) ante um aumento no uso de transporte
público em segmentos de maior renda (1% na faixa de R$ 4.976-R$ 9.330 e de 6%
na faixa acima de R$ 9.330). O secretário estadual de Transportes
Metropolitanos, Jurandir Fernandes, no artigo A São Paulo dos trilhos (Folha de
S.Paulo, 10/3), credita o resultado a uma tendência mundial de libertação do
transporte individual nos grandes centros, em busca de melhor qualidade de
vida. "Além do congestionamento, as consequências diretas do uso do
automóvel são a poluição ambiental e sonora, os acidentes e mortes no trânsito
e a perda de tempo", observa ele.
Outro ponto positivo revelado
pela pesquisa é o aumento do número de viagens pelos trens do Metrô e da CPTM:
entre 2007 e 2012 o salto foi de 45% (de 2,2 milhões para 3,2 milhões de
passageiros/dia) no primeiro modo e de 62% no segundo (de 1,3 milhão para 2,1
milhões de passageiros/dia). Ótima notícia para quem defende o transporte sobre
trilhos. Já as viagens por ônibus aumentaram 13%, totalizando 12,5 milhões de
viagens/dia, praticamente empatando com o automóvel, com 12,6 milhões de
viagens, mas crescimento de 19%. Um detalhe curioso: embora com pequena
participação no quadro geral, os deslocamentos de bicicleta e a pé também
cresceram no período, respectivamente, 7% e 9%. Essa uma boa notícia para os
adeptos da vida saudável. Um indicativo de que a escolha do tipo de transporte
se vincula a outras questões é o comparativo da evolução dos deslocamentos de
estudantes. Pela primeira vez desde 1967, há mais alunos utilizando o modo
motorizado do que a pé, numa divisão meio a meio. O que indica uma ligação
entre segurança e transporte urbano.
No melhor sentido, a mobilidade é
também a garantia, para todos os cidadãos, do acesso aos serviços, essenciais
ou não, oferecidos pela cidade onde escolheram viver, gerar renda com seu
trabalho e pagar parte dos seus impostos.
Ruy Martins - O Estado de S.Paulo
Terça-feira, 22 de abril, 2014.
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