Detentos do regime semiaberto subornam os
agentes penitenciários e passam as noites fora das unidades. Para a
irregularidade não ficar tão evidente, eles assinam uma espécie de ponto três
vezes na semana.
Ser condenado em Goiás não
significa ficar atrás das grades. Detentos do regime semiaberto negociam a
liberdade, pagam para dormir fora dos presídios ou vão às unidades apenas
marcar presença. Na cadeia do Novo Gama/GO, o recado ao lado de um relógio
eletrônico fixado na parede é claro: o ponto deve ser batido das 18h às 21h. A
exigência de pernoitar nas unidades é descumprida em várias cadeias. Em
Planaltina de Goiás, no ano passado, o Ministério Público de Goiás descobriu um
esquema de pagamento de propina para que os presos dormissem onde quisessem.
No Brasil, as penas de reclusão
podem ser cumpridas em regime fechado, semiaberto ou aberto. As penitenciárias
para o fechado, nas regiões próximas a Brasília, estão superlotadas. Algumas
unidades têm até cinco vezes mais do que suportam. Quem comete um crime com
pena de até oito anos pode responder em regime semiaberto. As condições para a
execução da pena passam por trabalho em colônia agrícola apropriada, industrial
ou estabelecimento similar, segundo a Lei de Execução Penal (leia O que diz a
lei). No entanto, essa é uma realidade distante na maior parte das cadeias de
Goiás.
Em Águas Lindas, por exemplo, 89
homens que praticaram crimes como roubos à mão armada e foram beneficiados pelo
regime semiaberto não são encontrados no presídio da cidade. Mas, para a
irregularidade não ficar tão evidente, eles assinam uma espécie de ponto três
vezes na semana. Dormem onde quiserem.
A titular da 6ª Promotoria de
Justiça de Águas Lindas, Tânia d’Able Rocha de Torres Bandeira, garante que não
há espaço físico para os presos retornarem das ações diárias e dormirem nas
cadeias. “Eles justificam as atividades três vezes por semana, mas ficam
soltos. Ficam em casa, no trabalho ou praticando crimes. É a impunidade real
vista de perto”, lamenta a promotora.
Uma das possibilidades para
melhorar a situação atual seria a construção dos quatro presídios com verba
liberada pelo governo federal. Juntos, eles somariam 1,2 mil vagas e ajudariam
no cumprimento da lei, mas, dos quatro previstos, nenhum está pronto. O governo
de Goiás tem R$ 38 milhões liberados pelo Ministério da Justiça, desde 2008,
como o Correio mostrou na edição de segunda-feira. “A nossa legislação é
perfeita. Se fosse cumprida integralmente, o preso teria direito ao lazer, à
cultura, ao trabalho e aos estudos. Mas, como podemos abrir uma empresa, por
exemplo, nesses estabelecimentos improvisados e superlotados?”, questiona a
promotora.
Na Cadeia Pública do Novo Gama,
há um sistema de ponto com aviso aos detentos sobre as sanções administrativas
a serem sofridas caso eles deixem de registrar a presença por duas vezes
consecutivas. Em Santo Antônio do Descoberto, a reportagem do Correio flagrou
um detento do semiaberto chegando à unidade para assinar a folha de ponto. Às
13h de segunda-feira, de bermuda e chinelo, ele pegou a prancheta com uma
agente carcerária que o orientou: “Assine até o dia 20”.
Cobrança . .
A liberdade irregular desses
presos foi motivo de investigação do Ministério Público de Goiás no ano
passado. Promotores descobriram que ex-agentes prisionais temporários cobravam,
em média, R$ 50 para cada dia de liberdade aos internos do semiaberto. Quatro
deles foram presos e denunciados pelo MPGO. “Há três anos, o regime não
funcionava em Planaltina de Goiás, mas conseguimos instituir com muito
trabalho. Os presos começaram a voltar para dormir, mas as condições precárias
dos agentes penitenciários atrapalham a legalidade do sistema”, ressalta o
promotor Rafael Simonetti.
O que diz a lei. . . .
Sancionada em 1984, a Lei de
Execução Penal determina que os condenados em regime fechado, semiaberto ou os
presos provisórios só podem sair das cadeias sob escolta e nas seguintes
situações: falecimento ou grave doença de um parente ou tratamento médico.
Segundo a legislação, o detento deve trabalhar durante o dia em colônias penais
ou industriais e retornar.
Fonte: Correio Braziliense
Quarta-feira, 29 de janeiro,
2014.
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