Muitos
vão do espanto ao riso quando, após a notícia de mais um escândalo de
corrupção, passam a ouvir a ladainha de justificativas clamando inocência ou
desconhecimento dos delatados. Por que não considerar que as contribuições de
campanha possam ser de fato legais, pois devidamente declaradas à Justiça
Eleitoral? Por que não aceitar que políticos possam perfeitamente desconhecer
que a doação de campanha tenha origem espúria ou vedada contrapartida à
empreiteira amiga?
Na
esteira das nossas adaptações açodadas, também copiamos o direito e o
incorporamos à jurisprudência. No caso, a Teoria da Cegueira Deliberada ou
Teoria das Instruções do Avestruz, uma construção da common law. Desenvolvida
pela Suprema Corte dos EUA, é aplicada a situações nas quais o indivíduo finge
não enxergar ou perceber a ilicitude da procedência de valores, bens e
direitos, de modo a auferir vantagens e, obviamente, inimputabilidade.
Entre
nós desde o julgamento do mensalão, a teoria exige que o indivíduo tenha
ciência quanto à elevada probabilidade do ilícito, na medida em que finge não o
perceber, escolhendo manter-se ignorante dos fatos, quando presente a
alternativa do conhecimento. Equiparada ao dolo eventual, requer-se a criação
consciente e voluntária de barreiras que evitem o conhecimento pleno da
natureza ilícita de uma situação suspeita, afora a disponibilidade de
informações que permitiriam ao agente acessar tal conhecimento.
Há
riscos na aplicação da teoria, em especial o de incidir na responsabilidade
penal objetiva. Há possibilidade de se autorizar condenação criminal nas vezes
em que o Estado falhar na produção de provas relativas ao conhecimento do réu
sobre fatos suspeitos. Condutas culposas podem ser transformadas em dolosas e o
suposto desconhecimento pode levar a uma condenação pela simples negligência ou
falta de esforço para conhecer a verdade sobre os fatos. A alta desconfiança é
equiparada ao conhecimento, de modo que a exigência da prática de atos
afirmativos para evitar o conhecimento da ilicitude já implica a presunção do
conhecimento do acusado.
É
mesmo difícil diferenciar culpa consciente de dolo eventual, saber o grau de
conhecimento que os diferencia. Mas já nos socorremos das inúmeras teorias
relativas ao dolo eventual que pululam em torno dos critérios da vontade e da
representação, para adotar mais uma, anêmica de critérios e cuidados.
Em
ano de eleições, não custa advertir aos políticos, mesmo aqueles
bem-intencionados e adeptos da filantropia e benemerência, que seus atos podem
ser vistos como oportunismo eleitoreiro pelas lentes da Teoria da Cegueira
Deliberada.
Erick
Wilson Pereira, Doutor em Direito Constitucional PUC/SP
Terça-feira,
28 de junho, 2016
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