Com bom trânsito entre políticos, artistas e ONGs, o pastor Marcos é agora acusado de abuso sexual, tortura de crianças e conivência com a bandidagem que ele diz “curar”, conforme revela reportagem de VEJA desta semana
Na última década, o pastor carioca Marcos
Pereira, 55 anos, conquistou respeito em rodas que mesclam políticos,
desembargadores, artistas e uma vasta turma egressa de ONGs. Entre os que já o
viram em cima de um púlpito gesticulando com um de seus Rolex em punho e desejando
“rajadas de glória” à plateia, estão o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), a
produtora Marlene Mattos e o ex-pagodeiro Waguinho, que, mesmo sem se eleger,
alcançou 1,3 milhão de votos na última disputa para o Senado tendo o pastor
Marcos como cabo eleitoral.
Alçado à condição de religioso-celebridade,
Marcos extrapolou, e muito, as fronteiras de sua igreja, a pentecostal
Assembleia de Deus dos Últimos Dias, com sede no Rio e filiais no Paraná e no
Maranhão.
Desde 2004 — depois de pôr fim a uma
sangrenta rebelião em um presídio do Rio, a pedido do então secretário de
Segurança, Anthony Garotinho —, ele passou a ser visto como o mais habilidoso
apaziguador de conflitos liderados pela bandidagem, com um currículo que,
segundo o próprio, inclui o resgate de centenas do tráfico.
Tem feito esse trabalho no Brasil inteiro e
já foi várias vezes aos Estados Unidos, onde quer erguer um templo, para falar
da experiência. Pois por trás dessa fachada, ao que tudo indica, se esconde um
enredo de atrocidades que não deixa pedra sobre pedra da imagem de bom
religioso do pastor.
Em um recém-instaurado inquérito, cujo número
é 902-00048/2012 e que está em poder da Delegacia de Combate às Drogas do Rio,
ele é acusado de encenações de cura pela fé, estupro, tortura de crianças e
relações criminosas com os marginais aos quais esbravejava promessas de
“salvação do demônio”.
VEJA teve acesso a trechos da investigação,
um conjunto de relatos de gente que diz ter sido vítima ou testemunha da
perversidade do pastor. Um de seus homens de confiança durante mais de seis
anos, longe da igreja há dois, traz à luz uma história escabrosa, que dá a
dimensão de como o pastor se enfronhou no mundo do crime.
Essa testemunha sustenta, por exemplo, que
Marcos ficou claramente do lado dos bandidos que engendraram a mais sangrenta
onda de terror no Rio, em 2006.
Depois
dos ataques, reuniu seu séquito mais íntimo em uma churrascaria. “Ele queria
que os bandidos tivessem até explodido a Ponte Rio-Niterói. O objetivo era
aparecer depois como o intermediário salvador”, conta o ex-fiel.
A trama piora na voz de outra testemunha, que
situa o pastor como braço operacional da selvageria. “Marcos foi ao presídio de
bangu 1 e saiu de lá com um recado dos chefões do tráfico para que suas
quadrilhas dessem sequência à carnificina”, rememora. Como sabe disso? “O
pastor me encarregou de repassar a ordem nas favelas. E foi o que eu fiz.”
A polícia já colheu uma dezena de
depoimentos, e muitas das histórias se repetem nos mínimos detalhes. A
investigação começou há duas semanas, depois que o coordenador da ONG Afro-
Reggae, José Junior, 43 anos, veio a público denunciar que o pastor tinha um
plano para matá-lo. A informação vinha de integrantes da própria igreja.
“Trata-se de um psicopata”, dispara Junior, que hoje tem a seu lado na ONG um
antigo braço direito de Marcos, o pastor Rogério Ribeiro de Menezes, 39 anos.
Afastado do templo de Marcos desde 2008, ele
fala pela primeira vez sobre os dezessete anos que viveu sob suas asas. Tomou a
decisão depois de ter sido ameaçado de morte três vezes — na última, os
traficantes de uma favela esfregaram um fuzil contra seu rosto e pronunciaram o
nome Marcos.
Seu depoimento ajuda a elucidar o que tanto
unia o pastor aos traficantes que ele dizia “curar”, e certamente não era a fé.
Não raro, Marcos lhe pedia que escondesse mochilas cheias de dinheiro em sua
casa. Contou duas vezes a coleção de notas. “Numa delas, havia 200 000 reais.
Na outra, 400 000 reais”, lembra Rogério.
Detalhe: traziam resquícios de cocaína e
crack. Segundo Rogério, o pastor cobrava até 20 000 reais para pregar nas
favelas, o que os traficantes pagavam de bom grado, já que assim mantinham sua
base assistencialista.
Três deles chegaram a ser presos em
propriedades da igreja do pastor, no Rio e no Paraná, mas a polícia nunca
comprovou que estavam ali com a conivência do religioso. Todos pagaram uma taxa
equivalente a 10% de tudo o que haviam acumulado no crime.
Em seu templo, o fundador é tão reverenciado
quanto temido. Até hoje, manteve todos em silêncio à base de benesses e
ameaças. Duas mulheres contam como a igreja se tornou um show de horrores no
qual lhes cabia o papel de vítimas do pastor. Ambas dizem que foram violentadas
sexualmente por ele diversas vezes.
À polícia, uma das moças afirma ainda que
Marcos obrigava as fiéis de sua preferência a manter relações sexuais com
outros homens, em orgias das quais também participava. “Depois, mandava a gente
confessar tudo com outro pastor, sem revelar nomes, é claro”, ela conta.
Constam ainda do inquérito denúncias de crueldades contra crianças que o pastor
mantinha sob sua guarda, em geral abandonadas pelos pais.
Uma
delas, de 7 anos, teria pago caro por testemunhar, casualmente, as peripécias
sexuais do religioso. Ao se dar conta, o pastor agarrou-a pelos cabelos e
lançou-lhe a cabeça no vaso sanitário, segundo um dos relatos à polícia.
Ex-garçom, o pastor Marcos é casado e tem
dois filhos que já seguem seus passos no mundo da fé. Convertido em 1989,
fundou sua igreja dois anos depois e constituiu ali um reinado de trevas.
Proíbe refrigerante, rádio, televisão (apesar de ter um telão em seu gabinete)
e remédios, já que a igreja se encarrega da cura (aos que pagarem uma taxa
extra via boleto bancário, distribuído durante a pregação).
Os cultos, que juntam até 15 000 pessoas, são
barulhentos e teatrais — literalmente, segundo narra um ex-assessor do pastor,
que ajudava a armar o show: “Ele dava dinheiro a viciados para comprarem droga,
filmava a turma em degradação e depois levava para a igreja, como se os
estivesse salvando”.
Na última segunda- feira, um rapaz adentrou a
Assembleia de Deus dos Últimos Dias de muletas, que usava desde um acidente que
lhe machucara o fêmur. Depois das orações do pastor Marcos, caminhou em frente
aos fiéis dizendo-se curado. Findo o culto, subiu na mesma moto que havia
conduzido na viagem de ida à igreja e foi embora.
Sabado.10/3/2012 ás 19:10h
Postado pelo Editor
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