Só quando instado por jornalistas
opinei sobre o processo do chamado "mensalão". E não entrei na seara
que é própria dos juízes: que réus deveriam ser absolvidos ou condenados e,
neste caso, a quantos anos. Pessoalmente, não me movem impulsos punitivos e muito
menos vingativos. A maioria dos réus não cruzou comigo na vida pública; em
geral, seus modos de agir e pontos de vista políticos não coincidem com os
meus. Mantive, é certo, um relacionamento cordial com os que tiveram mandato
parlamentar. Embora entendendo as reações de indignação dos que pedem punição
rápida, achei que não deveria entrar nesse coro. É óbvio que existe nas ruas um
sentimento de dúvida, quando não de revolta, com os resultados ainda incertos
do julgamento. Afinal, para a maioria dos brasileiros, trata-se de uma das
poucas vezes em que habitantes do "andar de cima", como se os
qualifica no falar atual, estão no pelourinho.
Agora, quando boa parte das águas
já rolou, dá para comentar de modo menos emotivo o que aconteceu na fase quase
final do julgamento e seus possíveis desdobramentos. Não cabem dúvidas de que a
sensação de impunidade que a maioria das pessoas tem decorre menos das decisões
que da demora no término do processo. Há várias explicações para tal demora: a
complexidade do julgamento com pessoas de tão alta responsabilidade política, o
Supremo Tribunal Federal (STF) não estar habituado e talvez nem preparado para
atuar como instância penal originária, os Códigos de Processo que abrem espaço
a um sem-número de recursos, etc. Para o povo nada disso é compreensível ou
justificável. Por que demorar tanto?
Na primeira fase, a competência
do ministro-relator, ao encadear as fases e os grupos de implicados num enredo
de lógica compreensível, e a minúcia com que os juízes debateram o caso
mostraram com clareza que houve desvio de dinheiro público e privado não apenas
para cobrir gastos de campanha, como afirmou o presidente Lula, mas também para
obter a lealdade de partidos e congressistas mediante recebimento de dinheiro.
Mesmo sem conhecimento jurídico,
a maioria das pessoas formou um juízo condenatório. As decisões dos juízes
comprovaram - em geral, por 9 x 2, 8 x 3 ou, mais raramente, 7 x 4, quando não
por unanimidade - o veredicto popular: culpados. A opinião pública passou a
clamar por castigo. A decisão de postergar ainda mais a conclusão do processo,
graças à aceitação dos "embargos infringentes", recurso de que só os
doutos se lembravam e sabiam dizer no que consistia, caiu como ducha de água
fria. Por mais que o voto do ministro Celso de Mello tenha sido juridicamente
bem fundamentado, ressaltando que o fim dos embargos infringentes no STF foi
recusado pela Câmara dos Deputados quando do exame do projeto de lei que
suprimiu esses embargos nos demais tribunais, ficou cristalizada na opinião
pública a percepção de que se abriu uma chance para diminuir as penas impostas.
Tal abrandamento implicará
mudança de regime prisional apenas para membros do "núcleo político".
Se essa hipótese vier a se confirmar, estará consagrada a percepção de que
"os de cima" são imunes e só os "de baixo" vão para a
cadeia. O que às pessoas mais afeitas às garantias dos direitos individuais e
menos movidas por sentimentos de vingança pode parecer razoável à maioria da
população parece simplesmente manobra para que o julgamento seja postergado,
nunca termine e o crime continue sem castigo. Tanto mais que metade do Supremo
encontrou argumentos para negar a vigência dos embargos infringentes naquela
Corte.
Ao acolher os embargos
infringentes o STF assumiu responsabilidade redobrada. Ao julgá-los, sem se
eximir de ser criterioso, o tribunal deverá cuidar para decidir com rapidez e
evitar a percepção popular de que tudo não passou de um artifício para livrar
os poderosos da cadeia.
Fonte: FHC em O Estado de S.Paulo
Domingo 06 de outubro 2013
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