A fúria justiceira dos bons pode ser tão
desastrosa como a justiça seletiva dos maus
As
ruas, ente divinizado por covardes, pediram o fim do voto secreto para a cassação
de mandatos. Boa reivindicação. O Congresso está a um passo de extinguir todas
as votações secretas, o que poria o Legislativo de joelhos diante do Executivo.
Proposta de iniciativa "popular" cobra o financiamento público de
campanha, o que elevaria o volume de dinheiro clandestino nas eleições e
privilegiaria partidos ancorados em sindicatos, cujas doações não são feitas só
em espécie. Cuidado! O povo está na praça. Nome do filme dessa mímica patética:
"Os 178 Beagles".
Povo
não existe. É uma ficção de picaretas. "É a terceira palavra da
Constituição dos EUA", oporia alguém. É fato. Nesse caso, ele se expressa
por meio de um documento que consagra a representação, única forma aceitável de
governo. Se o modelo representativo segrega e não muda, a alternativa é a
revolução, que é mais do que alarido de minorias radicalizadas ou de
corporações influentes, tomadas como expressão da verdade ou categoria de
pensamento.
A
fúria justiceira dos bons pode ser tão desastrosa como a justiça seletiva dos
maus. Quem estava nas ruas? A imprensa celebrou os protestos como uma
"Primavera Árabe" nativa. Nem aquela rendeu flores nem o Brasil é uma
ditadura islâmica. Até houve manifestações contra o governo, mas todas foram a
favor do "regime petista". O PSDB talvez tenha imaginado que aquele
"povo" --sem pobres!-- faria o que o partido não fez em 11 anos:
construir uma alternativa. Sem valores também alternativos aos do Partido do
Poder, esqueçam.
Há
11 anos o PT ataca sistematicamente as instituições, quer as públicas, quer as
privadas, mas de natureza pública, como a imprensa. Dilma ter sofrido desgaste
(está em recuperação) não muda a natureza dos fatos. Da interdição do direito
de ir e vir à pancadaria e ao quebra-quebra como forma de expressão, passando
pela reivindicação de um Estado-babá, assistiu-se nas ruas a uma explosão de
intolerância e de ódio à democracia que o petismo alimentou e alimenta. O
Facebook não cria um novo ator político. Pode ser apenas o velho ator com o
novo Facebook --como evidenciou a Irmandade Muçulmana no Inverno Egípcio.
Em
política, quando o fim justifica os meios, o que se tem é a brutalidade dos
meios com um fim sempre desastroso. A opção moralmente aceitável é outra: os
meios qualificam o fim. Querem igualdade e mais Justiça? É um bom horizonte.
Mas será o terror um instrumento aceitável, ainda que fosse eficaz? Oposição,
governo e imprensa, com raras exceções, se calaram e se calam diante da
barbárie que deseduca e que traz, volte-se lá ao primeiro parágrafo, o risco do
atraso institucional.
O
PSOL conduziu uma greve de professores contra o excelente plano de carreira
proposto pela Prefeitura do Rio. Era a racionalidade contra a agenda
"revolucionária". Luiz Fux, do STF, posando de juiz do trabalho,
chamou os dois para conversar. É degradação institucional com toga de
tolerância democrática.
O
sequestro dos beagles, tratado com bonomia e outro-ladismo pelo jornalismo, é
um emblema da ignorância dos justos e da fúria dos bons. Eles atrasaram em 10
anos o desenvolvimento de um remédio contra o câncer, mas quem há de negar que
os apedeutas ilustrados têm um grande coração?
Domingo 27 de outubro 2013
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