Passado o furor que acompanhou a
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar os embargos infringentes
no julgamento do "mensalão", trata-se agora de olhar para o que
sobrou: praticamente tudo.
O valor simbólico do julgamento
converteu-o em divisor de águas. Ensejou a expectativa de que se tenha criado
jurisprudência específica para o julgamento da corrupção nas altas esferas
políticas e governamentais, onde há foro privilegiado, e nessa medida deixou no
ar a sensação de que a República poderia ser mais bem defendida pelo Poder
Judiciário, ou, mais especificamente, por aquele tribunal superior. O que era
para ter seguido trâmites processuais mais técnicos, compatíveis com essa
instância judicial, ganhou uma turbulência que despiu o tema de boa parte da
seriedade de que se revestira: em vez do crime cometido, foram para a berlinda
os critérios e procedimentos do tribunal. Hoje não se discute mais o
"mensalão", mas seu julgamento.
Os opostos abraçaram-se e, querendo ou não,
converteram o episódio em algo que a todos prejudicará. Ao serem condenados, os
réus condenaram também o tribunal que os julgou, o bom senso, a política e a
República.
O novo julgamento não será ruim
para o País. Mostrará, ou não, que os juízes têm coerência e, se for o caso,
humildade para reconhecer que erraram. Mais um rei será desnudado. Deixará
claro que os réus tiveram direito amplo de defesa. Se vierem a ter suas penas
reduzidas com base em novas provas e em bons argumentos de sustentação, a
justiça se fará. Se for por algum cambalacho, todo mundo perceberá. E se não
forem beneficiados e tudo se confirmar, ninguém poderá dizer que o STF agiu de
modo atrabiliário. A maior probabilidade é que se mantenha o que já foi
decidido no julgamento original. Ministros do porte dos integrantes da Corte
não costumam brincar com suas decisões.
O
pior é que o prolongamento do caso no tempo dará mais combustível para a
surrada polarização PT/PSDB invadir o ano eleitoral de 2014. Ambos os partidos
querem isso, pois não conseguem respirar de outro jeito. Precisam ser
adversários recíprocos para encontrar alguma função política. Não estão
preocupados com a sociedade ou o País, nem atentos à voz das ruas. Giram em
padrão analógico, ao passo que a vida já se digitalizou. Como escreveu dias
atrás no Estadão o jornalista José Roberto Toledo, "a disputa política
continua rodando em falso, cada lado repetindo as mesmas acusações de sempre. A
única diferença é a quantidade crescente de bile a espumar nas timelines".
Impulsionado pelo moralismo de uns e pelo desejo de vingança de outros, o ódio
vai escorrendo das redes para as ruas, contaminando o debate democrático.
Por: Marco Aurélio Nogueira; Professor titular de Teoria Política e diretor
do Instituto de Políticas Públicas e Relações internacionais da Unesp
Domingo 29 de setembro
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