O legado do
julgamento da Ação Penal 470 é acre. Embora possa ser visto como exemplar, pois
afinal encarcerou políticos poderosos, entre os quais os chefes do partido ora
no poder, o desenlace deixou a sensação de que o Supremo Tribunal Federal (STF)
se contaminou por interesses político-partidários. Nada disso prenuncia boas
coisas: nos quase 12 anos em que estão no governo, os petistas, após várias
tentativas, enfim parecem ter encontrado a composição ideal - para seus
propósitos - da maior corte de Justiça do País. Pois é essa a impressão que
fica dos episódios que resultaram no abrandamento das penas impostas aos caciques
do PT envolvidos no escandaloso esquema de corrupção denominado
"mensalão".
No processo, que
começou quando ainda faziam parte do STF os ministros Cezar Peluso e Carlos
Ayres Britto, os líderes petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares
foram condenados a penas entre 6 anos e 11 meses a 10 anos e 10 meses de prisão
por formação de quadrilha e corrupção ativa. João Paulo Cunha, ex-presidente da
Câmara, foi condenado a 9 anos e 4 meses por crimes de corrupção passiva,
peculato e lavagem de dinheiro.
Havia carradas
de provas do "comportamento delinquencial gravíssimo" desses réus,
conforme as palavras indignadas do ministro Celso de Mello, decano do tribunal.
Foram mais de 60 sessões de um processo que se arrastou desde 2007, produzindo
cerca de 50 mil páginas que reconstituíram aquilo que se configurou no plano de
assalto ao poder republicano brasileiro articulado pelos indigitados líderes do
PT junto com criminosos de outros partidos.
Aos réus foi
concedido amplo direito à defesa, que foi exercido nos mais exaustivos detalhes
- sempre na esperança, para eles, de que o atraso, a chicana e a procrastinação
prescrevessem os crimes. No entanto, o árduo trabalho do colegiado de
magistrados impediu que triunfasse a impunidade, fazendo avançar um processo que
os céticos esperavam que caminhasse, a passos de cágado, para o esquecimento,
até então a vala comum das ações contra políticos corruptos no Brasil.
Quando ficou
claro que os líderes petistas seriam efetivamente condenados e teriam de ir
para a cadeia, o PT deflagrou uma feroz campanha de intimidação contra a
Suprema Corte, qualificando-a de "tribunal de exceção" - uma evidente
ironia, considerando-se que grande parte dos ministros do STF fora nomeada por
presidentes filiados ao partido. Foi especialmente vilipendiado o relator do
processo, ministro Joaquim Barbosa, eleito pela milícia petista para encarnar o
"Mal", aquele que atropelara as leis para perseguir
"democratas" como Dirceu e Delúbio e, assim, auferir popularidade
para uma eventual candidatura política. O destempero de Barbosa, tanto em
relação aos réus quanto a seus pares no STF, não ajudou a dissipar essa imagem.
Mas as decisões
do Supremo não foram monocráticas, e sim colegiadas, conferindo-lhes
indiscutível legitimidade. Restava apostar na mudança desse colegiado para
reverter as penas, e isso aconteceu, efetivamente, quando o STF passou a contar
com Luiz Roberto Barroso e Teori Zavascki.
Com os votos
desses dois ministros, Dirceu, Delúbio e Genoino escaparam da condenação por
formação de quadrilha, livrando os dois primeiros do regime fechado. Além
disso, Barroso e Teori contribuíram decisivamente para absolver João Paulo da
acusação de lavagem de dinheiro, o que também o livrará do regime fechado.
Não é um bom
augúrio.
O Estado de S.Paulo
Domingo, 16 de março de 2014.
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