Se não é, seja nosso novo seguidor

Cadastre-se você também, ja somos 46 brothers no Clube Vip *****

18 de março de 2014

O PÚBLICO QUE É BEM PRIVADO



Nos tempos da ditadura militar, mordomia era algo tão banal e comum que intitulava uma seção do Diário Oficial. Era abaixo mesmo da rubrica "mordomia" que se especificava a relação de privilégios concedidos às autoridades em geral na Esplanada dos Ministérios. Assim foi até o jornalista Ricardo Kotscho produzir, para o jornal O Estado de S. Paulo, uma demolidora série de reportagens que denunciou o exagero das benesses destinadas aos ministros e outras altas autoridades do regime militar.

Depois disso, regras foram determinadas para conter os abusos. Mas basta pegar um jornal de qualquer época - antes ou depois da série publicada no Estadão - para perceber que a mordomia é um mal crônico da elite política brasileira. Não começou quando Kotscho a denunciou e não terminou depois da denúncia dele.

A forma como a elite política brasileira parece considerar natural a apropriação do bem público como se dela fosse, somada à total falta de preocupação com eventuais abusos, parece ser uma marca de nascença deste país batizado Brasil. Na sua origem, nosso país ganhou a associação de algumas características peculiares. A primeira dessas peculiaridades foi o sistema de capitanias hereditárias. Esse modelo foi uma invenção exclusivamente portuguesa. Na verdade, não foi usado apenas aqui. Antes, já era usado com bons resultados por Portugal na Ilha da Madeira e no arquipélago de Cabo Verde. Aqui, começou pela exploração da ilha de Fernando de Noronha.


A capitania hereditária, porém, transformava de fato o bem público em propriedade privada. O sistema literalmente loteava o território do que seria o Brasil em enormes fazendas destinadas a cada um dos capitães, delegando a eles a tarefa de colonizar a terra. Em troca, os capitães pagavam impostos à coroa portuguesa. Ainda que não tenha produzido para Portugal os resultados desejados, o sistema de capitanias hereditárias durou cerca de duzentos anos, sendo extinto somente em 1759. E deve ter deixado raízes na noção de que o uso público, no Brasil, é propriedade da autoridade que se beneficia dele.

A esse início de país como grande loteamento soma-se outra peculiaridade. O Brasil é a única colônia do mundo que foi sede do império sem deixar de ser colônia. Quando a coroa portuguesa resolveu, em 1808, pegar todas as suas trouxas e correr para o Brasil fugindo das tropas de Napoleão, instalou aqui uma elite que não tinha compromisso com o país em que vivia, mas com o outro, que havia deixado para trás. Para a maioria dos historiadores, é a chegada da família real ao Rio de Janeiro que marca o início do conceito de nação no Brasil. Longe de ser somente negativa, é à vinda de Dom João VI para o Brasil que é atribuída a manutenção da unidade territorial brasileira, que poderia ter virado vários países, a exemplo do que aconteceu com o naco espanhol da América. 

Por outro lado, a presença de Dom João VI e sua corte fez com que o Brasil estabelecesse as suas primeiras regras como nação baseado nos interesses de Portugal, e não nos seus. Se o apreço da família real portuguesa pelas terras brasileiras puder ser medido a partir de Carlota Joaquina, a mulher de Dom João VI, assim fez ela quando embarcou de volta para a Europa, ao final do seu auto-exílio: tirou os sapatos e bateu fortemente um contra o outro para limpá-los. "Desta terra eu não quero levar nem o pó", teria dito ela. 

No Brasil, ficou o filho de Dom João VI, e foi ele quem proclamou a Independência, concedendo-se o título de Dom Pedro I, "antes que outro aventureiro lançasse mão". Ou seja: mesmo depois da independência, a elite brasileira continuava sendo portuguesa. Vai saber a que interesses de fato ela servia.

Por:  Rudolfo Lago – jornalista

Terça-feira, 18 de março, 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário