A ideia lançada
por Lula pegou: a eleição de outubro deverá ser a mais povoada de
"postes" nestes tempos cheios de surpresas, reviravoltas e
maquinações no terreno político. No Maranhão, no Ceará, em Pernambuco e na
Bahia, candidatos tirados do bolso do paletó dos chefes do Poder Executivo
começam a "iluminar" o ambiente regional, na esteira da nova liturgia
que se instala na paisagem: a elevação de perfis ao altar de governador de
Estado sem os escolhidos passarem pelo longo corredor de mandatos parlamentares
e, na maioria dos casos, sem terem obtido um voto popular sequer em sua
trajetória.
O fato não chega
a ser uma novidade, eis que tanto a chefe da Nação como o prefeito da maior
cidade do País tomaram seus assentos sem nunca se terem submetido ao sufrágio
universal. Coisas novidadeiras numa cultura política escrita com o lápis de
caciques e sob a tradição de costumes passados de pais para filhos, cuja
expressão de modernidade é mais a idade dos novos coronéis do que pensamento
comprometido com reformas na seara política.
Pode ser até uma
forma menos democrática, por privilegiar o recorrente mote "quem é dono da
flauta dá o tom". Mas, inegavelmente, é medida prática. Evita discussões
prolongadas entre aliados, acelera a formação de parcerias, antecipa o jogo
eleitoral, na medida em que os preteridos passam a seguir outros rumos,
enquanto eventuais dissabores passam a ser administrados no balcão de
recompensas. Afinal de contas, qual o significado desse novo modus faciendi?
Sobressai,
primeiro, a sensação de um sopro de renovação na esfera política. Algo como, se
a reforma política está emperrada no Congresso, a sociedade à sua maneira
pavimenta o caminho de novas lideranças, elegendo perfis assépticos, não
contaminados pelo vírus da corrupção, particularmente quadros técnicos com
experiência na administração pública. À inércia do poder centrífugo
(Legislativo, Executivo) reage o poder centrípeto (a força social organizada),
que identifica na planilha de nomes aqueles com capacidade de representar as
demandas populares. Portanto, o novo ordenamento condiz com o clima social. Há
muito se clama por partidos com programas claros e consistentes; representantes
mais próximos das comunidades; um sistema de votação que contemple quadros de
maior expressão eleitoral, sem puxar para a Câmara candidatos de parca votação;
figuras que desfraldem os valores republicanos.
As imagens são
inescapáveis: o copo de água suja transbordou. Ou, ainda, não há mais como
jogar para debaixo do tapete o lixo acumulado pela velha política. O eleitor
mostra-se cansado de ouvir as mesmas lorotas. A cada legislatura se recorre à
pregação da reforma política.
Às vésperas do pleito, o saldo é zero. Como ir às
urnas respirando os ares poluídos que há décadas contaminam os pulmões da
República? Pouca coisa muda e, ante a inação do Poder Legislativo em matéria
eleitoral, as decisões, mesmo homeopáticas e de pouco empuxo na escala dos
avanços, acabam sendo tomadas pelo Judiciário. Os últimos retoques no reboco do
velho casarão das urnas acabam de ser dados pelo Tribunal Superior Eleitoral,
que proibiu o uso de telemarketing em campanhas eleitorais, obrigando, ainda, à
adoção de legenda ou à língua de sinais (Libras) nos debates a serem promovidos
pela TV. Por falta de densidade (responsabilidade do Legislativo), a Justiça
Eleitoral usa o pincel para uma rápida camada cosmética. Mais uma questão de
lana-caprina.
GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de
S.Paulo
Domingo, 09 de fevereiro, 2014.
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