Entre os enganos frequentes - e são tantos - das análises que se ocupam de
investigar a confluência entre a política e a comunicação está o de supor que o
engenho de seduzir o olhar alheio tenha sido um produto do século 20 ou, vá lá,
uma invenção do final do século 18, no bojo das revoluções que culminariam por
fabricar nos comuns do povo a ilusão de que seriam eles os protagonistas da
História. Claro que o século 20 massificou a propaganda política, assim como
massificou tudo o mais.
A
comunicação também esteve no centro da estratégia que levou à criação dos
Estados Unidos da América: foi com uma série de artigos de jornal que os
federalistas ganharam os bons olhos da opinião pública para a causa de que a
união faria a força dos Estados.
As
técnicas de propaganda na política, a partir do século 18, são bem conhecidas
de todos. Mas elas não foram inventadas ali. Esse tipo de comunicação é bem
anterior à Revolução Francesa. Em 1515, quando entregou a Lorenzo o texto com
seus conselhos, Nicolau Maquiavel alertava para isto: os homens julgam mais com
os olhos do que com o juízo, quer dizer, formam o juízo a partir do que veem.
Em O Príncipe ele ensina que política é jogo
de cena. "A um príncipe não é necessário ter de fato todas as qualidades
(ele fala de "piedade, fé, integridade, humanidade, religião"), mas é
bastante necessário parecer tê-las." Nesse ponto, o pensador florentino
ecoa Júlio César - que teria dito, no ano 63 a.C., que "à mulher de César
não basta ser honesta, é preciso parecer honesta" -, mas o faz com uma
distinção crucial: para ele, a honestidade da mulher de César seria um dado de
pura irrelevância: se ela realmente parecesse honesta, não teria necessidade
alguma de ser honesta.
Desde
Julio César - e desde muito antes, na verdade - a conquista, o exercício e a
manutenção do poder envolvem a construção, o uso e a manutenção da imagem. A
política se faz pelas armas e pela comunicação, num combinado que conjuga força
e circo (e pão também, ocasionalmente), para erguer e entronizar uma imagem.
É
bem verdade que o século 20 trouxe rupturas estruturais nessa fórmula, com o
aprimoramento e agigantamento industrial das ferramentas de sedução (dos olhos
dos homens) pela imagem.
A
partir da indústria cultural a comunicação passou a exercer funções que antes
(em Maquiavel também) cabiam à violência direta. Mais: o uso da violência
converteu-se numa forma ultraelaborada de espetáculo a serviço da comunicação
política.
Hoje, muito mais do que antes, os atentados
terroristas (que sempre foram atos de propaganda perversa), as manifestações de
rua (propaganda relativamente benéfica) e mesmo as guerras são atos
(espetaculares) de comunicação, cujo objetivo é fixar ou destruir imagens que
disputam o imaginário em torno do poder.
O terrorismo e a guerra passaram a ser não
mais a continuação da política por outros meios (Clausewitz), mas o
prolongamento da comunicação política por meio de signos de exceção.
Política,
enfim, é comunicação - e essa comunicação pode lançar mão da força para tocar
as retinas dos homens que não sabem conhecer o mundo pela própria ação. Do
mesmo modo, e com os mesmos propósitos, lança mão das atividades circenses de
maior envergadura, como os grandes festivais de rock e as jornadas esportivas
de visibilidade planetária. Na comunicação política os rituais carnavalescos e
festivos são equivalentes comunicacionais dos bombardeios redentores.
Fonte:
Estadão
Quinta-feira,
06 de fevereiro, 2014.
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