O julgamento da Ação Penal 470 teve seu ponto culminante há 11 meses, em
dezembro de 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), após 49 sessões que
se estenderam por quatro meses e meio, condenou 25 dos 40 denunciados pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) por vários crimes relacionados com o
plano urdido por então dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) para
garantir apoio parlamentar ao governo Lula mediante o pagamento de propina a
parlamentares e dirigentes da chamada base aliada.
A decisão tomada por unanimidade na última quarta-feira pela Suprema
Corte, de determinar a execução imediata das penas - inclusive para condenados,
como o ex-ministro José Dirceu, que ainda podem ter revistas partes de suas
sentenças -, é apenas o desdobramento natural de um processo longo, quase interminável,
complexo e extremamente polêmico, que apesar de todos os pesares permitiu à
consciência cívica do País vislumbrar o início do fim da histórica tradição de
impunidade dos poderosos.
O desdobramento natural do processo do mensalão, de qualquer modo,
representa mais um episódio relevante na história jurídica e política do País,
não apenas porque só era esperado pela maioria dos observadores para o próximo
ano, mas, principalmente, porque dá uma resposta clara aos cidadãos que já
começavam a se sentir afrontados pela desfaçatez e empáfia com que alguns
condenados - não por acaso os mais notórios - vinham tentando desqualificar a
decisão da Suprema Corte e desmoralizar os ministros por ela responsáveis.
Não é fácil para o cidadão comum compreender a razão pela qual o
julgamento do mensalão se arrasta já por oito anos e ainda tem pela frente um
tempo indefinido que será consumido na apreciação de recursos que o processo
penal brasileiro garante aos réus - especialmente àqueles que dispõem de meios
para pagar as melhores bancas advocatícias. Essa é uma distorção que, desde
logo, compromete a prática da boa justiça. Mas é de esperar que, ao colocar em
evidência essa faceta perversa da Justiça, o processo do mensalão enseje a
abertura de uma ampla discussão nacional sobre a necessidade de expurgar do
ordenamento jurídico o viés retrógrado que aqui e ali ainda perdura.
Por outro lado, o avanço no processo do mensalão com a decretação da
prisão dos condenados vai colocar mais uma vez em xeque o Congresso Nacional.
Depois de, em nome de uma visão equivocada de autonomia que reflete apenas um
corporativismo primário, terem cometido o absurdo de garantir o mandato de um
deputado condenado e preso, os parlamentares terão que decidir o que fazer com
os quatro colegas que a Ação Penal 407 está colocando atrás das grades.
Senadores e deputados estão aparentemente empenhados na aprovação de
projeto de emenda constitucional que acaba com o voto secreto nas decisões
sobre a cassação de mandatos de seus pares. Seria uma maneira de inibir a
repetição do vexame que transformou em deputado-presidiário Natan Donadon, que
cumpre pena no presídio da Papuda, no Distrito Federal, e que por essa singela
razão está impedido de comparecer à Câmara dos Deputados para cumprir as obrigações
que o mandato impõe. Esse absurdo seria apenas cômico, se não fosse revelador
do ponto a que chegou a degradação dos valores éticos entre os representantes
eleitos pelo povo.
Mas, como senadores e deputados não se entendem, patrocinando projetos conflitantes,
o impasse será certamente debitado, por parlamentares docemente constrangidos,
aos regimentos internos das duas Casas. E tudo permanecerá como lhes é de
gosto, até que o instinto de sobrevivência diante de eventual recrudescimento
das manifestações populares e da proximidade das eleições acabe colocando algum
juízo nas nobres cabeças dos representantes do povo. Afinal, o processo do
mensalão, agora revigorado pela decisão unânime dos ministros do Supremo,
continua estimulando a consciência cívica do povo brasileiro.
Fonte: O Estado
de S.Paulo.
Sábado 16 de novembro 2013
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